| 11 de Setembro,de Youssef 
      Chahine, Amos 
      Gitaï, Alejandro 
      Gonzales-Iñarritu, Shohei Imamura, 
      Claude 
      Lelouch, Ken Loach, Samira Makhmalbaf, 
      Mira Nair, Idrissa 
      Ouedraogo, Sean Penn e Danis 
      Tanovic
 
  França, 2002
 Há um traço bastante interessante 
        que parece trafegar por todos os episódios deste 11 de Setembro 
        (exceto nos episódios de Gonzales-Iñarritu e Mira Nair): partindo da catástrofe 
        que derrubou as torres gêmeas em Nova York, os cineastas partem para reflexões 
        das mais diversas que inexoravelmente envolvem suas pátrias ou acontecimentos 
        de ordem geopolítica diversas da proposta por este projeto. As trilhas 
        que ligarão problemas locais ao próprio evento-acontecimento no qual este 
        11 de setembro foi transformado formarão o objeto de trabalho de alguns 
        dos melhores episódios (Samira Makhmalbaf, Ken Loach, Youssef Chahine), 
        assim como de alguns dos mais fracos (Danis Tanovic, Amos Gitaï). Mas o que de fato salta aos olhos 
        do espectador é a triste constatação de que, na maioria dos casos, o que 
        temos aqui é um agrupamento de velhos olhos tentando fitar nosso mundo 
        hoje.  Neste sentido, o episódio de 
        Claude Lelouch é particularmente imperdoável: desinteressado em absoluto 
        pelo tema que lhe foi proposto, o cineasta concretiza mais uma vez o mesmo 
        velho "número" (não podemos pensar em outro termo, visto a freqüência 
        com que aparece nos seus filmes e o quão vagabundo é o tratamento do cineasta 
        para o tema) da ciranda de amor confusa e amargurada que, após o suceder 
        de uma desgraça, se transmuta na reafirmação da paixão do casal em questão. 
        Se já podemos observar o descaso do cineasta pela história e seus cursos 
        ao transformar a 2a. Guerra Mundial em Retratos da Vida e o extermínio 
        dos judeus na sua adaptação de Os Miseráveis nesta "desgraça-catarse" 
        que fará um homem ou uma mulher perceber como é impossível a plenitude 
        de vida sem o contato com sua alma gêmea, aqui esta atitude ganhará dimensão 
        ainda mais inconseqüente quando a queda das torres é, ao final do episódio, 
        transformada em principal fonte da piadinha que fecha o filme com seu 
        absurdo (e monstruoso) final feliz. De um diretor incapaz de largar as 
        velhas manias e truques que infestam uma idéia bastante limitada de "cinema 
        como espetáculo" não podíamos esperar mais do que isso; o que surpreende 
        é a falta de tato dos produtores de terem contratado este diretor para 
        realizar este episódio neste filme. Os episódios de Tanovic e Gitaï 
        não pecam por descompromisso histórico, muito pelo contrário. São dois 
        cineastas certamente bastante engajados e que, ao contrário do limitado 
        representante francês, estão sim tentando comentar um certo estado de 
        mundo que certamente possui muitos vínculos com o tema aqui trabalhado. 
        O problema em ambos os casos surge de uma certa atitude, um certo desígnio 
        do cinema-voluntário-político que tem em autores como Bertrand Tavernier, 
        Ken Loach, Jim Sheridan, Costa-Gavras e Gillo Pontecorvo seus principais 
        representantes. Ao analisarmos a fundo seus filmes, podemos observar dois 
        traços fundamentais. O primeiro é a idéia de que, para tornar compreensível 
        o estado de práxis que este cinema procura retratar, o autor precisa submeter 
        o espectador a um tratamento de choque diante de uma sucessão infinita 
        de imagens agressivas e violentas para que a dor, raiva, angústia, recalque 
        ou insatisafação dos personagens se torne algo palatável e tangível a 
        este espectador (podemos observar no recente Domindo Sangrento, 
        de Paul Greengrass, um fruto podre deste cinema, isto se não considerarmos 
        os apolíticos Darren Aronofsky e Michael Haneke e suas respectivas obras). 
         É assim que no episódio de Gitai, 
        num único take de 11 minutos, nada vemos além de um atentado terrorista 
        e suas óbvias conseqüências: o cerco da polícia, cadáveres carbonizados, 
        a gritaria entre os repórteres que querem noticiar a cena e os oficiais 
        que precisam mantê-los distantes... O fato de que tudo isso seja encenado 
        para a câmera, ou seja, diretamente para o espectador, reflete 
        muito bem a tentativa desesperada do diretor de nos fazer compreender 
        o horror e a desgraça que envolvem o dia-a-dia conturbado de Israel; porém, 
        que esta seja uma tentativa picareta não fica assim tão evidente, e para 
        isso será necessário que um dos oficiais responsáveis pelos cuidados às 
        vítimas em dado momento do episódio chacoalhe a câmera e nos diga diretamente 
        "Você não tem nada que fazer aqui, vá embora, não atrapalhe!". É assim 
        que Gitaï abandona a indignação e cai na mais velha cilada deste cinema: 
        a consternação, o esbravejamento, a pura e simples necessidade de dar 
        um soco na cara do espectador.  O episódio de Tanovic revelará 
        o segundo traço deste cinema, que é o assistencialismo e bom-mocismo de 
        quem, mesmo nas mais precárias situações, luta por uma causa, apesar de 
        todas as mazelas do mundo. Mas como se trata apenas de uma platitude bastante 
        desgastada do cinema político como um todo (e que encontra ares de saudável 
        renovação nas obras de John Carpenter e dos irmãos Dardanne, com resultados 
        bastante superiores aos aqui alcançados), devemos tratar este episódio 
        de Tanovic justamente como uma platitude. De diretamente ligado aos 
      atentados nos sobra o afetado melodrama de Mira Nair sobre uma mulher 
      palestina cujo filho desaparece após a destruição das torres e que é 
      conseqüentemente transformado num suspeito pelos órgãos de inteligência do 
      país; e o asqueroso jingle publicitário de Gonzales-Iñarritu, uma 
      ponta preta de 11 minutos interrompida por flashes das mesmas cenas 
      de pessoas se jogando do alto do World Trade Center que foram veiculadas 
      pelas televisões do mundo inteiro. Nada mais pobre, artística e 
      eticamente, do que este boçal exemplar de um cineasta (ainda podemos assim 
      chamá-lo após a overdose tecnopublicitária de Amores Perros e deste 
      novo filme?) que optou por lançar seu olhar falsa e estrategicamente 
      misericordioso ante uma reunião tão leviana e irresponsável de cenas 
      brutais. Sobram, portanto, os cineastas 
        que optaram por vias diferentes. Nestes não apenas percebemos a vontade 
        de olhar com maior boa-vontade o "hoje", a ponto de deixarem para segundo 
        plano as idéias acerca dos incidentes ocorridos nas torres gêmeas, como 
        também uma predileção por abordagens mais livres. Seus olhares são mais 
        pacientes do que sentenciosos, e mesmo quando partem para uma reflexão 
        histórica são inteiramente capazes de manter a sobriedade que falta aos 
        companheiros mais "engajados".  É especialmente surpreendente 
        ver um exemplar do cinema de Ken Loach tão moderado, conseguindo transformar 
        um close do rosto de seu protagonista em um take tão ou mais importante 
        que as inúmeras cenas de arquivo do golpe de 1973 no Chile (que também 
        ocorreu num 11 de setembro), e é também uma bela surpresa a esperança 
        que os jovens personagens do episódio de Idrissa Ouedraogo são capazes 
        de manter mesmo diante de uma desgraça tão grande como... a doença que 
        assola a mãe de um destes personagens, a pobreza que aflige todos.  Mesmo os episódios de dois grandes 
        do cinema contemporâneo, Shohei Imamura e Youssef Chahine, se mostram 
        bastante capazes de - mesmo com o rigor que os caracterizam - atentarem 
        um olhar mais despojado, livre de julgamentos fáceis, e que numa última 
        instância revela uma maior vontade de se pensar o que vem a ser uma "guerra 
        santa" hoje (apesar de ambos partirem de uma reflexão política fortemente 
        embasada na história de seus países). E quando percebemos em cineastas 
        jovens como Samira Makhmalbaf e Sean Penn a doçura desta capacidade de 
        capturar a inocência diante de um momento tão difícil como o que atualmente 
        passamos, vale notar que mesmo diante das mais radicais conturbações há 
        ainda espaço para a vida e - por que não? - para o mundo. Gostaríamos muito que este filme 
        fosse composto por um cinema que antes de se preocupar em achar inocentes 
        e culpados se preocupasse um pouco mais em abrir as portas para o mundo. 
        Infelizmente este não é o caso por completo, e se de fato 11'09"01 
        reflete uma determinada conjuntura como de fato acreditamos, a situação 
        que ele apresenta é tão simples quanto bizarra: para termos um Shohei 
        Imamura, uma Samira Makhmalbaf ou um Sean Penn precisamos ainda passar 
        pelas imagens vazias de um Claude Lelouch ou pelo kamikaze fílmico 
        que é este Alejandro Gonzales-Inãrritu. O grande Ernest Borgnine, no episódio 
        de Sean Penn, nos revela que a vida continua; o cinema, nos mostra 11'09"01, 
        nem tanto. Bruno 
      Andrade |  |