Um
filme,
O Padre e a Moça.
Discutir um filme. Como aproximar-se dele? A pauta é
antes um desafio: como capturá-lo, como tentar entender
sua feitura, todas as intrigas estéticas, o trabalho
de cada pessoa, a significação dentro de uma
obra, a significação dentro de um conjunto de
filmes do mesmo mo(vi)mento. Com interesses e pontos de ancoragem
tão múltiplos, seria inglório tentar
chegar a conclusões como o "verdadeiro papel"
do filme dentro da história do cinema brasileiro ou
pesquisar um valor intrínseco da obra. Gostaríamos
antes de incitar, de atingir valores e verdades sim, mas aproximativos,
jamais definitivos porque, obviamente, o valor de uma obra
depende quase que geneticamente do alcance que ela pode produzir
no hoje, à medida que ela possa ter algo a dizer para
um público contemporâneo. Assim, um filme considerado
"deslocado" do problema central na época
do cinema novo nos surge agora como uma das peças mais
brilhantes produzidas no período.
Mas a
coisa vai além disso. Além do próprio
objeto, o filme O Padre e a Moça, há
o acontecimento O Padre e a Moça, uma temporada
em Minas Gerais que mudou os rumos tanto estéticos
quanto existenciais de uma série de artistas.
Um ponto de encontro notável, também, pois o
filme é uma encruzilhada de inúmeros artistas
notáveis em diferentes etapas de suas carreiras: Paulo
José em seu primeiro filme, Helena Ignez saindo da
Bahia, Mario Lago em seu primeiro trabalho com o cinema novo
(pouco depois faria Terra em Transe), além de
Carlos Lyra, Mário Carneiro... Todos explicam aqui
sua função no filme, o ambiente das filmagens
e um bocado de suas carreiras.
Questão
de metodologia, questão de escolha. Por que O Padre
e a Moça? Porque um documentário está
sendo feito sobre o filme, e há material disponível
para que possamos publicar tanto uma pesquisa que contemple
os diversos pontos de vista das pessoas que trabalharam nele
(as entrevistas) quanto as especulações sobre
os aspectos artísticos específicos (os artigos).
Se não buscamos aqui a ambição totalizante
de análise, sempre duvidosa, resta-nos entretanto a
vigorosa força de que, quanto mais dados restituímos
sobre um filme, mais forte fica-nos a impressão de
que chegamos nesse objeto mítico, que conseguimos chegar
naquela dimensão em que conseguimos respostas para
o eterno enigma do admirador de cinema: "O que é
um filme?"
Boa leitura.
Ruy Gardnier
ça
fotos da edição: Fernando Duarte |