Baby Boy - O Rei da Rua,
de John Singleton

Baby Boy, EUA, 2001


Parece extremamente complicado penetrar-se no universo de Baby Boy adequadamente. Como em tantos dos videoclipes americanos de rap que a MTV nos apresenta, tem-se a impressão que se assiste ao pastiche de algo, mas aí é caso de se pensar: mas isso não é feito pelos próprios envolvidos? Ou seja, se o filme fosse dirigido por um branco ou por um estrangeiro, a impressão garantida é a de que estava-se tratando das relações e dos personagens do gueto negro americano pelo que eles possuam de mais clichê, seja na linguagem, postura corporal, violência, ambiente, ou mesmo no machismo reinante. No entanto, o filme (tal e qual os clipes) é feito por alguém que morou naquelas comunidades. Portanto, como se lidar com ele?

Em muitos momentos, o espectador se sentirá dividido. A admiração pelo fato do filme manter enorme distância de um discurso politicamente correto ou por não ter nenhum pudor nas cenas de sexo ou violência, é grande. Mas também a repulsa pelo retrato não problematizante deste machismo ou deste impulso à violência sem que entendamos o porquê desta inevitabilidade. Assim como são confusos os pressupostos estéticos do filme: desde sua introdução (impressionantemente abstrata e metafórica) fica clara uma opção por um certo ambiente onírico, mas ao mesmo tempo que se aspira a um hiper-realismo, a uma quebra (ou revelação) das "verdades do gueto". E tudo isso parece em desacordo com a fotografia e (principalmente) a direção de arte, absolutamente clean e artificiais, ao ponto do incômodo.

Fica difícil entender ou se relacionar com as figuras que passam pela tela, mesmo que se possa ver aqui e ali relances de interesse. Ving Rhames, em especial, constrói um personagem fascinante, ainda que um tanto repetitivo. Mas o mais grave é que o protagonista (a quem o filme está umbilicalmente conectado) nunca se completa ou consegue a adesão do espectador. E isso é central na frieza que o filme passa.

O que se pode ver é que Singleton ousou, e principalmente, quis fazer demais com apenas um filme. O título em português tenta uma aproximação com seu Boyz 'n the Hood, aqui chamado de Os Donos da Rua, mas o fato é que este novo é bem mais ambicioso. Mas, talvez por isso mesmo, se resolve de forma muito menos orgânica. Parece que no meio de tanto tentar, Singleton se perde um pouco de onde pretende mesmo ir. E na seara dos filmes que tentam captar a experiência do jovem negro de forma não convencional, é menos bem sucedido que Spike Lee em seu Lute pela Coisa Certa. Não deixa nunca de ser intrigante, mas não chega nunca a ser exatamente bom.

Eduardo Valente