Wilsinho da Galiléia,
de João Batista Andrade

Brasil,
1978
Realizado
um ano após o equívoco intitulado O Caso Norte, Wilsinho
da Galiléia marca o retorno de João Batista de Andrade
aos filmes documentais baseados na reconstituição ficcional
de eventos. Quase inédito devido à censura, Wilsinho é
incrivelmente melhor resolvido que seu antecessor.
Ao contrário
de O Caso Norte, não faz de suas reconstituições
ferramentas de mera presentificação unívoca de eventos
passados, mas funciona como o relato de um mito. É esse caráter
mítico em torno da execução de Wilsinho da Galiléia
(assaltante desde os 15 anos) pela polícia paulista, que faz do
filme um interessante exercício de verdades, memórias e
questionamentos em aberto. Não se trata de "O Caso Periferia",
por exemplo, mas de um olhar criativo sobre um dos mitos da violência
urbana brasileira.
A abertura totalmente
ficcional, filmada com câmera na mão e sem maiores explicações
ao público marcam a presença da narração off
apenas como uma localizadora espacial dos eventos, dando os dados iniciais
para a história de Wilson da Galiléia, morto ao completar
a maioridade.
A partir daí,
o filme volta aos cenários originais do cotidiano do personagem
do marginal, entrevistando pessoas comuns e especialistas em pé
de igualdade. Do lado oficial o olhar de condenação sobre
um assassino perigoso. Do lado pessoal, os vizinhos de Wilson o descrevem
como um rapaz simpático, "gente boa".
O filme trabalha de
forma pioneira a questão da tensão social das periferias
das grandes cidades, quando valores como a fama dos jornais e a vida da
classe média, atravessam os desejos do personagem: "Wilsinho
queria ser filhinho de papai" - diz uma amiga.
Esse dilema entre
a figura social de Wilson e seus desejos pessoais, é sintetizado
numa espécie de clipping visual que intercala cenas de violência
explícita com imagens do personagem num parque de diversões.
Por vezes o filme lembra o exercício estético de um Bandido
da Luz Vermelha (Sganzerla) e/ou do recente O Rap do pequeno príncipe(...),
embora seja improvável uma ligação direta com segundo.
O olhar estático
de Wilson em direção à câmera nos remete à
incompletude iconográfica do personagem, ao mistério em
torno daquele mito de assassino cruel.
Os atores que interpretam
os personagens se apresentam para a câmera e explicam seus papéis.
O ator que interpreta Ramiro, irmão mais novo de Wilson, fala do
futuro de seu personagem, já apontado pela polícia como
potencial sucessor do irmão. O filme mistura cenas de ficção
e as imagens da entrevista com o verdadeiro irmão de Wilson, que
foge da câmera...
Um menino de 13 anos,
acusado de querer vingar a morte do irmão. "Você pensa
em se vingar por seu irmão?..." - pergunta o diretor. Ramiro
nem nega, nem confirma.
A figura das instituições
de detenção juvenil é um dos focos mais interessantes
da crítica de João Batista: o modo como as crianças
eram tratadas, presas e soltas num círculo infindável, pontuado
pelo fim violento da execução.
Sobre esse aspecto,
Wilsinho revela o destino dos 3 irmãos mais velhos de seu protagonista:
todos presos em cadeias públicas, condenados pelos mais diversos
e pequenos delitos. A mãe de Wilson é quem passa a ser nossa
guia e tenta fazer do filme seu espaço de libertação:
"Conta para a TV como foi que eles te torturaram, conta...",
diz a mulher a um de seus filhos, arredio à câmera. Há
uma confiança direta no papel do cinema/TV como aliado do povo
diante da violência policial.
Isso tudo faria de
Wilsinho da Galiléia um filme imperdível? Nem tanto.
Infelizmente, o vício
conclusivo de seu diretor acaba por fazer dos últimos minutos do
programa, uma didática associação de imagens. A periferia
se costura diretamente ao futuro trágico de Wilson: onde a reconstituição
passa a ser novamente uma representação factual do passado,
com caráter de verdade-posta-à-vista. Um sensacionalismo
socialmente engajado, constrangedoramente limitado por suas pretensões
de denúncia. João Batista desperdiça a riqueza já
dada pela realidade e se propõe a mastigá-la de forma grosseiramente
indutiva.
* * *
Uma última imagem, porém, salva o filme de se resumir de
forma tão precária:
Wilsinho da Galiléia
(ator) caminha sobre os destroços de sua antiga casa na favela
da Galiléia. A prefeitura de São Paulo havia mandado "limpar"
a área por considerá-la um ninho de marginais. "O bairro
está melhor agora?" - pergunta o diretor; "Está
sim" - responde satisfeito um morador.
O problema varrido
para baixo do tapete... Nenhum comentário.
Uma obra marcante
que merece, urgentemente, sair do limbo de seu esquecimento.
Felipe Bragança
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