Velho Chico, Santo Rio, de Guga
Oliveira 
Brasil,
1973
Exibido
com apenas dois de seus três rolos originais, Velho Chico, santo
rio é o exemplo mais claro de experimentação
poética dentro do universo, da gramática típica do
telejornalismo.
Narração
descritiva, trilha sonora, tudo isso está presente. O grande diferencial
de Velho Chico, no entanto, é o modo de ser de sua narração,
de seu narrador:
Lima Duarte não
trabalha como um âncora imparcial (Chapellin), mas interpreta um
personagem, um arquétipo de sertanejo, uma voz nordestina que se
mistura à voz do rio. Grande personagem, o rio São Francisco
tem seu percurso transformado numa seqüência de paisagens e
histórias, em que a voz de Lima Duarte vai descrevendo as culturas
ribeirinhas com a intimidade de quem se traveste de personagem.
Novamente apostando
no encantamento, o filme não tenta seduzir o espectador com informações
ou descobertas bombásticas, mas com a cadência musical das
imagens e das modas de viola que vão dando ritmo ao filme. A dialética
entre a fluidez do rio e os maus tratos recebidos ao longo de seu percurso,
é estabelecida logo no início do filme: na montagem que
põe em choque a calmaria das nascentes dos rios, às correntes
que arrancam as árvores de sua margem.
Mistura de denúncia
com ensaio poético, Velho Chico alterna dados estatísticos
sobre miséria com o drama apequenado dos habitantes das cidades
ribeirinhas.
A certa altura, chegamos
a Remanso, às vésperas da criação da Represa
de Sobradinho. O modo como o filme observa os detalhes da cidade e os
rostos dos moradores, traz à tela o drama de quem não consegue
se conformar com o seu fim. Dilúvio, inundação...
Registros únicos de cidades esquecidas em nome do progresso. "O
altar de nossa Santa vai virar cama de peixe" diz a música.
É uma pena
que o filme esteja incompleto e que seja impossível descobrir até
onde iria seu caminho. A despeito de seus cacoetes de "poesia da
simplicidade", Velho Chico é assustadoramente mais rico do
que todas as reportagens geopolíticas realizadas em nossa TV aberta
atual; Guga Oliveira agrega equívocos a qualidades com o mérito
indispensável da descoberta.
Felipe Bragança
|