Tarzan é um jovem senhor de quatorze caras e um só coração. Em cinqüenta anos, o cinema apresentou quatorze Tarzans no papel do Bom Selvagem, mas este não variou nunca de caráter e temperamento. ë o mito do homem puro e valoroso, em estado de natureza.
Sua imagem, multiplicada aos milhões pelas estórias em quadrinhos, revela a força, a bravura, a saúde física e moral, com o instinto retocando a inteligência. Um tipo cem por cento, que não se encontra nas cidades. Só na floresta, isso mesmo na imaginação de velhos sonhadores humanitários, ou na cabeça do romancista Edgar Rice Burroughs, que criou o personagem em livro.
Numa cabana perdida na selva e assaltada por macacos, uma gorila de bons sentimentos encontra o menino recém-nascido, ao lado dos cadáveres dos pais, ingleses abandonados naquele ermo. Ela o adota como filho e cria-o até o garoto completar 15 anos. Assim se formou Tarzan, descendente de fidalgos, educado por uma macaca. A selva o modelou, fez dele um produto da terra, do ar e das águas: livre, corajoso, bonitão, com 1 metro e 93 de altura (às vezes), valendo sozinho por uma escola de educação física e um compêndio de virtudes naturais. Se por azar ele engorda, é logo substituído por outro Tarzan, que mantém a forma.
O cipó desempenha função importantíssima na vida de Tarzan. É o seu meio de transporte mais rápido, e transforma o nosso herói numa espécie de bailarino entre o céu e a terra. Tarzan não salta: voa, de um perigo a outro. Dá ritmo à aventura dramática, mudando o terror em dança. Quando não usa o cipó, usa o elefante, para variar de velocidade.
Este homem solitário na realidade está cercado de amigos, a começar pela macaca Chita, os animais da selva entendem-se com ele clomo irmãos. Tarzan é o bicho mais aperfeiçoado de todos, e compreende admiravelmente seus irmãos inferiores. Se estes brigam entre si, ele os aparta e reconcilia, como rei ou deus da criação.
A família é uma institui;ção de tamanho poder que mesmo no mato bravo ela impões seu estatuto. Então o homem que se basta a si mesmo, o animal todo poderoso faz vida de casal com a encantadora Jane, que lhe dá de presente um filho igualmente encantador: Boy. Tarzan pai de família, entregue a atividades domésticas, mostra que o lado inglês de sua personalidade não se desvanaceu de todo, embora ele dispense o cachimbo e o chá com torradas. Mesmo na floresta, é indispensável prestar homenagem às instituições tradicionais.
Mas isso é um acidente. Não vamos aburguesar o herói. Aí vêm os índios, que não deixam Tarzan brincar em serviço. Ele vive em função dos perigos que o cercam de todos os lados e em todos os tempos. Se a selva fica monótona, ele sai à procura de risco na pré-história, desvenda o segredo da Atlântida, luta entre filossauros, homens-formigas e mulheres-gigantes, mete-se numa enrascada em Nova York, enfrenta nazistas e japoneses na segunda guerra mundial. Entretanto, é na selva onde ele se sente em casa, é lá que o mundo fixou sua imagem e gosta de vê-lo Para os outros tipos de aventura existem heróis especializados, desde Robin Hood até 007. E a selva e Tarzan formam um só mistério que fascina o homem da cidade, trsitemente sujeito a horários, livro de ponto, imposto de renda, etc.
A selva é tranqüila como o berço onde um menino sonha seus primeiros sonhos.
É uma paisagem esperando pintor, uma sombra veludosa pontilhada de luz, um manso remanso, um descanso.
Tudo está inaugurando a criação do mundo, com os vegetais sentindo o prazer da existência da seiva, das folhas, das flores, e os animais instalados confortavelmente em suas formas respectivcas. Nada pode acontecer de terrível neste mundo que é uma filial do Paraíso. Mas acontece... O Paraíso servia apenas de cenário para o desafio entre a vida e a morte. E Tarzan vence o desafio, quebrando o silêncio com o seu grito de vitória.
Esse grito de Tarzan é sua marca registrada. Nenhum ser humano tem outro igual. Nenhum animal feroz grita assim. É um hino primitivo à natureza, e ressoa no fundo de cada um de nós como o acorde de uma melodia que reúne o bárbaro e o humano de nossa espécie.
E voltam os inimigos, voltam-se os animais contra o Irmão Maior. Tarzan, super-bicho e não super-homem, desiste de chamá-los à fraternidade. Atacado, ele se defende com a faca, a flecha, a força bruta. Só em caso de absoluta necessidade é que ele mata. Nasceu para protetor, não para agressor. Infelizmente, o irmão polvo não compreendeu isso, e levou a pior.
De todos os Tarzans cinematográficos, o maior continua sendo Johnny Weissmuller, campeão olímpico de natação. Este vale por todos; retirado da tela há muitos anos, continua sendo aquele Tarzan que está em falta, o máximo. Das dez atrizes que fizeram o papel de sua companheira, Maureen O’Sullivan ficou sendo oficialmente a melhor. Esse casal de pouca roupa, quando surgiu no cinema, despertava uma discreta sugestão erótica, dentro dos padrões da censura americana de então. Hoje, com o mundo nu, a sugestãso desapareceu. E resta a pergunta: Tarzan amou realmente sua companheira em 50 anos de vida perigosa? Ou para ele a mulher representava apenas o descanso de um guerreiro?
Na era espacial, com os batmen e os supermen tornando banal o maravilhoso, Tarzan continua sendo a expressão mágica daquilo que a gente gostaria de ser mas a vida não deixa. É Adão descobrindo o mundo, sem precisar de módulo e computador.
David Neves e Michel Espírito Santo