Seis dias de Ouricuri, de Eduardo
Coutinho 
Brasil,
1976
Transitando
entre o modelo de documentário socialmente engajado cinemanovista
e a liberdade expressiva que o uso do som direto e das entrevistas começava
a naturalizar, Seis dias de Ouricuri é um filme essencial na trajetória
do documentário brasileiro.
A partir de uma premissa
comum à época, a do drama da seca, Coutinho costura a narração
poética/descritiva da cidade de Ouricuri com as falas desesperadas
de seus moradores.
Há, como posteriormente
em Exu, a cena marcante e não comentada do baile da cidade ao som
de Rock`n Roll, num luxo passageiro e quase surrealista que nos leva à
lembrança de Simão do Deserto (Buñuel). Acompanhamos
também a procissão, a apresentação melancólica
dos músicos no dia de São Sebastião, os que enlouquecem
sendo encaminhados à delegacia...
A cena antológica
e pioneira em que um jovem sertanejo faz a demonstração
cuidadosa (plano seqüência de 3 minutos) das raízes
e dos tubérculos os quais se viam obrigados a comer "Isso
aqui é comida de porco...nem gado come isso.", marca o primeiro
grande momento da força oratória do cinema de Coutinho.
Porque muito além das informações trazidas pela frieza
dos especialistas, a voz dos sertanejos se torna em si mesma um objeto
de expressividade insubstituível.
"Hoje isso seria
impossível, mais até por questões de forma que de
conteúdo.A censura estética é política. Interferiu
na forma, interfere no conteúdo." (Eduardo Coutinho)
É a tensão
entre o discurso informativo dos funcionários do Estado e a voz
dos sertanejos que dá ao filme uma força rara entre os filmes
de seca no Brasil. O som direto e os depoimentos surgiam como a grande
ferramenta de Coutinho na construção de seus filmes. Quando
o político local diz que não se trata de uma seca mas de
uma mera "estiagem", e em seguida vemos as caravanas de sertanejos
em busca de trabalho nas frentes de trabalho, a importância dos
termos técnico-informativos se suspende, e passamos a acompanhar
a história de uma outra forma.
A incapacidade do
Estado em dar conta daquela realidade, é a incapacidade da narração
descritiva em resumir a imagem.
Felipe Bragança
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