3) Um obstáculo a transpor: o público

"Como vão aqueles filmes horríveis que você
faz e que eu tive a sorte de não ver?"
(Citado por Walter Hugo Khouri)

"A agravar essa situação, temos, também aquilo que podemos chamar o Complexo de inferioridade cinernatográfica do brasileiro". (Walter Hugo Khouri).

O cinema brasileiro sempre lutou contra a dose de má vontade de um público mal informado e comodista que não enfrenta a fita a que assiste e se comporta de forma passiva, receptora.

A função de cineasta corresponde, na mesma ordem dos fenômenos, a uma brincadeira nunca levada a sério.

Os homens de cinema são sempre tidos como entes privilegiados e seu trabalho, um chômage lucrativo permanente. Talvez defeito da debilidade de nossa estrutura industrial, o cinema brasileiro não apresenta trabalhos mas chances aos que anunciam um bom gosto artístico mais acentuado.

Enquanto um cinema funciona sob essas considerações específicas, sobrenaturais e distantes da realidade, certas verdades nacionais, mostradas muitas vezes de forma crua e despojada, não poderão nunca ser totalmente assimiladas.

Essa constatação parte de um pressuposto, ou melhor, confirma um pressuposto: o público é o maior adversário que nossos novos realizadores têm que enfrentar. Não propriamente o público, mas uma consciência errada e anacrônica que ele traz consigo.

O desprezo pelas coisas do cinema está plantado bem fundo no espírito do brasileiro. Nele estão contidos elementos contraditórios, entre os quais um enorme coeficente de provincianismo que faz com que se aceite passivamente o produto estrangeiro em detrimento do nacional.

Acredito ser esse o fato mais dramático no sentido de que não prevê senão soluções demoradas, e, ainda assim, de sucesso duvidoso. O brasileiro que se retraiu em virtude da fraqueza de nossa cinematografia se recusa a reconhecê-la até um ponto determinado (prêmios internacionais à parte).

A realidade (e entre nós, a verossimilhança) é o ponto de referência crítica que ele emprega, para fundar suas opiniões concretas; por isso, de certa forma, êle precisa se achar nos filmes a que assiste. Antes, contra a chanchada, só se podiam opor (com certa vergonha específica) as produções estrangeiras.

O que mais espanta não é tanto o desinteresse pelas fitas, mas a agressividade e a repulsa a elas dirigidas sob a forma de desprezo. A qualidade artística seria um fator de fascínio, um chamariz e essa qualidade o público sozinho não pode descobri-la. Faz-se necessária a presença de um agente credenciado que aponte a qualidade ou a libertação almejada.

O fracasso comercial de Tocaia no Asfalto, filme baiano de Roberto Pires, lançado no Rio em novembro de 1962 com enormes perspectivas de êxito, gerou um clima de verdadeira calamidade pública. Depois do sucesso do Assalto ao Trem Pagador, esperava-se um novo sucesso de bilheteria. Acontece, entretanto, que Tocaia no Asfalto não retratava senão um fato remoto, distante do público carioca que não encontrou na fita nenhum estímulo imediato. Da observação pôde-se concluir que os filmes brasileiros que retratam ou reproduzem um acontecimento não muito remoto e de repercussao nacional têm invariavelmente sucesso de público, porque este fato funciona como ponto de referência concreto, imediato.

Essa conclusão baseada na fita de Roberto Farias, confirmou-se no sucesso de A Grande Feira, de Roberto Pires, em Salvador. O que quis dizer relaciona-se mais com a familiaridade que os eventos reproduzidos nas fitas possuem (e seu caráter especifico e atraente) do que com a aparência espetacular desses mesmos acontecimentos. A situação do cinema brasileiro, portanto, mutatis mutandis, era nessa época, semelhante à do cinema francês na sua fase Lumière, isto é, a fase do cinematografo, na qual se buscava com insistência a atmosfera de intimidade das reproduções do cotidiano. Isto, no que diz respeito às relações do cinema com o público, bem entendido.