O Caso Norte, de João
Batista Andrade

Brasil, 1977
Equivocada
e simplista reconstituição da história de um migrante
nordestino acusado de assassinato em São Paulo. João Batista
faz um excepcional trabalho de experimentação de linguagem
mas se perde nas traduções simplificantes que tenta fazer
da realidade:
Brincando com o caráter
fantasioso da reconstituição, João Batista põe
seus atores se apresentando para a câmera e dizendo quem vão
interpretar, coloca-os discutindo sobre a culpa ou não do pobre
nordestino aprisionado. Se a forma de teatro assumido funciona precisamente
no quase inédito Wilsinho da Galiléia, aqui ela se
transforma numa espécie de Linha Direta socialmente engajada.
O filme tenta generalizar o drama de José Joaquim, preso após
disparar dois tiros com sua arma de vigilante noturno, como o retrato
de uma classe de nordestinos.
Depoimentos de conhecidos
de Joaquim tratam sempre de questões duvidosas como "ele era
um cara legal" e dissertam sobre o despreparo social do pobre homem
ingênuo vindo do interior. Não fica clara a motivação
de se contar aquela "pequena história de imigrantes em São
Paulo" (como diz a cartela inicial) e tudo se resume a uma espécie
de denúncia social sobre a "pouca adaptabilidade cultural"
do homem nordestino.
Fala-se muito pouco
sobre o despreparo das escolas de vigilantes em preparar seus profissionais,
ou sobre a facilidade com que se tem acesso a uma arma nas empresas de
segurança. Prefere-se dar ênfase a essa pouca capacidade
nordestina de se adaptar à vida da cidade grande...A vitimização
é gritante.
Gil Gomes narra a
reconstituição do momento em que José Joaquim atira
contra seu colega de bar e, com falas diretas como "Joaquim perde
a consciência" tenta tirar daquele homem a responsabilidade
sobre seus atos.
Ao final, João
Batista entrevista o homem, já preso. Resume-se a tentar tirar
dele o máximo de declarações de desespero e perdição,
encaixando seu personagem ao discurso anterior do filme. "São
Paulo é só ilusão", diz Joaquim...e João
Batista vibra.
Esse tipo de denúncia
que fragiliza a figura do nordestino foi um dos fatores responsáveis
pela criação do mito do homem "aculturado e incapaz",
digno de pena e necessitado de caridade...ou de desprezo. João
Batista atropela a questão da violência urbana e do porte
irresponsável de armas, e se prende a um discurso de menosprezo
diante de um homem ícone de uma massa de miseráveis. Com
boas intenções sociais, apenas agrega preconceito à
figura tão marginalizada do imigrante.
Se esquece que a pena
e a caridade, são as formas mais covardes de discriminação.
Felipe Bragança
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