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Como foi feito Muito Prazer e o que ele significa em sua carreira? Basicamente esse filme foi feito a partir do momento em que eu trabalhei como diretor de fotografia no filme A Noiva da Cidade, de Alex Viany e vi o Ivinho (Irving São Paulo) trabalhando. Ele tinha um pique incrível. Aí eu prometi para mim mesmo que faria um filme para ele. Mas o filme trata da visão do adulto pela criança, através de um periscópio quase impossível. Os moleques, ainda hoje os mesmo párias sociais de Rio Quarenta Graus e Couro de Gato, mudaram um pouco sua ótica, mas seu comportamento não chega a ser moderno, neste filme, pelo menos. Por que os arquitetos e os pivetes. Qual a relação? O arquiteto é um cara que vê o mundo, já os três pivetes foi mais um problema de orçamento. Não se trata de um filme ideológico, na medida em que acho que as idéias só fazem filmes quando partem de alquimistas de cinema, isto é, de artistas que têm o dom sensorial de torná-las concretas. Se você pega a história dos arquitetos, parece uma novela, mas quando entram as crianças é como se fosse o espelho da classe média. Com os arquitetos, tudo lembra um adultério na Zona Sul, mas quando os pivetes chegam, ironizam. A provocação do filme é a total miséria e desproteção do pivete. Você fica esperando ter favela. Mas se eu colocasse isso seria redundância, pois o espectador sabe da situação do pivete e do menor abandonado. Mesmo assim, o filme mostra os pivetes muito mais curtidores do que os arquitetos que têm toda as mordomias. Após vários anos sem fazer um longa metragem como foi o trabalho em Muito Prazer? Foram exatamente dez anos, afastados do longa. Mas fazer Muito Prazer foi muito bom. Primeiro, gostaria de mencionar a presença do roteirista Joaquim Vaz de Carvalho que em seu primeiro roteiro foi surpreendente pela qualidade dos diálogos. Outro destaque é Carlos Molleta, responsável pela trilha sonora, e os atores que são extraordinários e um, o Otávio Augusto, ganhou um prêmio de melhor ator. Todos eles me ajudaram. As crianças também, que poderiam ser rebeldes, me ajudaram muito. Além disso o clima de trabalho era bem família, o astral altíssimo. Esse astral está também no filme, os pivetes contribulram para dar o bom humor. Em relação aos pivetes você falou que evitou a relação com favela, explique melhor? Quando as pessoas reclamam, dizendo que os pivetes que mostro no filme não existem, que ele não são bonzinhos, são perversos, ruins, eu procurei fugir do lugar comum. Eu não quis ser original. Quis ser prático. E acho que ficou melhor assim do que reproduzir o que sai no noticiário. Eu cortei o estilo jornalístico. Em termos de público e critica como vem sendo a carreira desse filme? O lançamento dele aconteceu no Rio, indo em seguida para Vitória, Belo Horizonte, Brasília, Aracaju e agora Salvador, onde ele chega com um pouco de atraso. Ele ganhou em Brasilia os prêmios de melhor filme, fotografia e ator de 79. O público e a crítica aceitaram-no bem. Não é um estouro de bilheteria, mas as pessoas têm muita simpatia. É uma coisa que me deixa emocionado pois ele chega a ser uma unanimidade. Todas as críticas têm sido favoráveis. Agora, é o filme que é meu jeito de fazer cinema. Tem duas leituras: a primeira, pode parecer muito simples, mas deixa você pensar. Essa demora de passar o filme em Salvador faz parte de algum esquema? Na verdade ele ainda não tinha sido exibido porque eu viajei e não encarreguei uma pessoa para cuidar do lançamento. Porque Salvador é um dos melhores mercados do cinema nacional. Aqui a gente eestá fazendo um projeto de lançá-lo no próximo domingo em Feira de Santana, em homenagem ao Olney São Paulo. E em seguida a gente apresenta A Noiva da Cidade que foi a origem de tudo. Depois penso em levar o filme a Porto Alegre, que é outro bom mercado e depois São Paulo. Quero deixar lá por último porqué uma coisa bem trabalhosa. São Paulo é a metrópole do cinema brasileiro. No momento em que o cinema brasileiro atinge um nível de profissionalismo muito bom, como você encara a vitória dos exibidores que venceram na justiça uma limiar contra a obrigatoriedade da exibição do filme nacional? Descobri que isso é um picuinha, uma espécie de guerra. Uma guerrilha. São permanentes toques que os exibidores ficam dando para se vingar da lei do curta-metragem. O que está provocando tudo isso é o curta-metragem, porque pelo que sei, os exibidores querem manter um acordo com o pessoal do curta. Só que eu não sei os detalhes desse acordo se contra ou a favor do curta. Por isso acho que não está existindo crise em relação ao exibidor e o longa. Este é que está sendo prejudicado. E como você vê a situação do curta? Eu sempre fui mais ligado ao curta-metragem e ao documentário. Acho porém, que a existe na ABD (Associação Brasileira dos Documentaristas) um julgamento do Brasil como ele deveria ser e não como ele é. Um amigo me disse uma vez: a ABD é uma ilha socialista em meio a um capitalismo selvagem. Acho idealismo querer tratar Severiano Ribeiro como socialista. Então eu acho que em relação ao longa, o exibidor já assumiu pois ele está ganhando dinheiro. Eu não entro em maiores detalhes porque ando viajando muito e andei preocupado demais com meus dois últimos filmes. O outro é um documentário sobre o Flamengo. Durante esses anos de atuação no cinema, com você sente o mercado brasileiro atual e quais as reais condições de trabalho para o cineasta? Não há dúvida que melhorou muito a situação do cineasta, mas com o custo das coisas, houve uma complicação. Agora, o público do cinema brasileiro já existe, é uma realidade. Acredito que a próxima geração assistirá muito mais. Antigamente o Brasil não produzia. Isso tudo que temos hoje, devemos ao Cinema Novo que levou vários anos batalhando, abrindo caminhos, tendo decepção. Veja que antigamente não. Meu avó e meu pai não iam ver filme brasileiro. Mas, agora se você passa Deus e o Diabo na Terra do Sol, por exemplo, as pessoas irão em massa, pois Glauber é um monstro sagrado. E no dia em que acabar o roubo e a especulação, o cinema brasileiro irá render no próprio mercado. Se a coisa é bem feita, o público está lá, prestigiando. O cinema brasileiro nunca esteve tão interessante e interessado, apesar de todas as crises. E essa coisa de exibidor é mesmo que censura: cria polêmica, faz parte, é uma coisa que acontece só no Brasil. Essa fase boa se reflete sobretudo agora, quando eu fiz esse filme tímido e intrometido. Em 80 estamos com uma riqueza de lançamentos. Tem A idade da Terra, do Glauber Rocha; Eles Não Usam Black Tie, de Leon Hirszman; Pixote, de Hector Babenco; Prova de Fogo, de Marcos Altberg; Tensão no Rio, de Gustavo Dahl, Eu Te Amo, de Arnaldo Jabor, além dos filmes do pólo paulista de cinema. Então é curioso que o exibidor faça charme num ano como este. Entrevista publicada no jornal Correio da Bahia no dia 9 de julho de 1980.
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