Lúcia McCartney, de David Neves

Brasil, 1970


Adriana Prieto e Arduíno Colasanti em Lúcia McCartney de David Neves

Ao ver Lucia McCartney tem-se a sensação de que o maior interesse de David Neves ao realizar o filme, seja registrar seus atores principais. Ótimo, já que eles são Adriana Prieto e Paulo Villaça (ambos excelentes). È difícil deixar de chegar a esta conclusão quando Neves parece construir uma cena só para dar a oportunidade para Villaça seduzir uma jovem ou outros tantos planos que se resumem a camera contemplando Adriana Prieto.

Um filme de menor interesse, então? Longe disso. Nos seus melhores momentos, David Neves sempre valorizou a relação entre suas personagens e o ambiente imediatamente exterior a elas. Um filme sobre seus atores principais dá bastante espaço para o cineasta trabalhar. É um cinema onde o todo importa menos do que os pequenos momentos que vão se acumulando ao longo da projeção. Um cinema bastante discreto, e não deixa de ser interessante observar este filme e o anterior, Memória de Helena, em relação ao que outros nomes ligados ao cinema novo vinham produzindo por volta de 1970.

Lucia McCartney começa com um letreiro comparando a atividade de ir ao puteiro com a de ir ao cinema. O filme é dividido em duas partes uma centrada em Adriana Pietro e a outra em Paulo Villaça. Ela é uma prostituta, mulher independente e obvio sexualmente ativa, mas que não deixa de ter um ar de carência e uma certa ingenuidade. Ele é um advogado contratado para resgatar outra prostituta, um tipo esperto, malandro e cafajeste. O espectador que conhece um pouco da produção nacional do período não deixa de reconhecer nas personagens variações pequenas dos tipos que Prieto e Villaça costumam interpretar.

Melhor assim, já que eles permitem que Neves explore as melhores facetas das personalidades de sua dupla principal (e de outros atores do elenco como Nelson Dantas ou Wilson Grey). Lucia precisa atuar para seus clientes, o advogado (o personagem não tem nome) precisa se fazer passar por um cliente do puteiro onde a outra prostituta trabalha. Nenhum dos dois é um ator "bom", ela acaba se envolvendo com um cliente misterioso, ele não consegue deixar de gerar suspeitas. Para eles atuar passa por injetar características das suas próprias personalidades nas suas criações.

A outros prazeres escondidos na invisibilidade que o próprio Neves parece querer construir para seu filme. A forma como a segunda parte, onde há uma trama bem mais definida e movimentada, acaba pela encenação parecendo tão episódica e minimalista quanto a primeira. Ou os momentos em que Neves parece se propor a discutir o próprio cinema, como quando Lucia lê uma carta em off enquanto as imagens reproduzem o seu conteúdo. Mas o que fica mesmo sé Adriana Prieto abraçando um cliente que não está interessado em sexo ou Paulo Villaça cafajestemente avisando que não tem hora para chegar em casa.

Filipe Furtado