Os Índios Kanela, de Walter Lima Jr.
Brasil, 1974

O programa se inicia com um off mítico na voz de Sérgio Chapellin. A poesia da criação do Homem nas lendas indígenas, tenta ser o eixo da observação do filme sobre a cultura local.

A lenda que traria os motivos pelos quais os índios Kanela teriam começado a atacar as fazendas vizinhas à sua reserva, é descrita com detalhes. Aos poucos, vai transformando esse discurso mítico numa espécie de atraso cultural e fruto da opressão social sofrida pelos índios. Um descompasso com a modernidade que desculparia os índios de seus maus atos violentos.

O filme não consegue trazer o problema do massacre dos índios para uma discussão dos dilemas da interação cultural brasileira, mas acaba fazendo dos índios Kanela, espécies de crianças inconseqüentes que tem seus motivos próprios e que não podem ser culpadas por seus atos. Com a boa intenção da tão aclamada relativização cultural, o filme termina por fragilizar seus personagens.

Esse tipo de protecionismo e vitimização, que coloca literalmente como única solução para o problema indígena "uma progressiva integração dos índios aos meios de vida civilizados", é uma faca de dois gumes perigosa e é a marca da expansão territorial brasileira associada aos ideais de progresso a qualquer custo.

A falta de entrevistas expressivas, o olhar vitimizante sobre os índios, fazem desse episódio um típico exemplar do documentário denúncia que dá um nó em suas próprias pernas. Curiosidades culturais são narradas como prova da doce e exótica ingenuidade da vida indígena: "Aqui, o futebol foi adaptado para que todo jogo termine empatado..." Há sim um elogio à beleza da cultura dos Kanela, mas que parece olhá-los com os olhos de um pai protetor, de um Estado que tem pena de seus filhos tão frágeis.

Com o hino nacional brasileiro cantado pelos Kanela, e imagens poéticas das folhas das árvores, o programa termina de forma constrangedora. E cruelmente ultrapassada.


Felipe Bragança