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"Você
ainda não pediu sua inscrição, jovem cineasta-amador?
Filie-se urgente, as possibilidades são imensas, procure ali um
dos batalhadores do Novo Cinema Nacional, franco, ousado, invencível,
otimista, inteligente, novo, e você terá em pouco tempo seu
filme, os letreiros de seu filme, as cenas de emoção do
seu filme aplaudidos na noite de lançamento por um público
sofisticado e burguês". Segundo alguns o cinema novo não existe. Outros nao acreditam na sua existência mas, insistentemente o invocam quando se trata de fazer uma localização no tempo e no espaço, ou, um julgamento crítico. Há ainda os que crêem firmemente no cinema novo e fazem do slogan condição sine qua non da salvação do cinema brasileiro. Essas divergências, de início, parecem muito salutares porque, existindo ou não, desburocratizam o Cinema novo e o transformam em matéria de fôro íntimo, pois, antes de mais nada, ele é um estado de espírito, um estado revolucionário de espírito, relativamente às coisas de nossa cinematografia. "Filma-se, e em se filmando dá". Esta frase tirada de uma carta de Glauber Rocha, traduz hoje o élan do cinema brasileiro, representando pelo que se convencionou chamar de cinema novo. A expressão é, sobretudo, um slogan promocional, porque na verdade não se pode definir esse estado de espírito que de repente se apossou de um grupo de pessoas (na sua maioria jovens) e que levou o cinema a ser urna instituição nova na cultura brasileira. O cinema passou a ser coisa séria, importante. Coisa que, absolutamente, não era antes, no Brasil. Paradoxo dos paradoxos: o cinema, arte dispendiosa, tornara-se mais acessível do que qualquer outra arte. Ocupação de saltimbanco, à disposição, sobretudo, de quem, com boa conversa, levasse um capitalista a inverter dinheiro com fins quase exclusivamente lucrativos. O cinema novo transformou esse estado de coisas. Tornou, de golpe, a rédea da atividades cinematograficas no Brasil (centralizadas no Rio, com focos em Salvador, João Pessoa e só agora, em S. Paulo). Hoje em dia, na Europa por exemplo, o nome do cinema brasileiro é respeitado graças a essa ação conjunta, convergente, que só mesmo uma necessidade histórica pode explicar. A revista Cahiers du Cinéma1 já começa hoje a dedicar uma seção de correspondência especial sobre o cinema novo brasileiro. Como nasceu esse movimento? De forma espontânea, natural e algo complexa. Pode-se dizer que seu núcleo central originou-se de um grupo de jovens idealistas que se reunia nas sessões semanais da Cinemateca do Museu de Arte Moderna. Êsses jovens, através de um sentimento misto de displicência e obstinação, resolveram trazer a chancela de arte para uma atividade artística que vinha sendo desviada de suas verdadeiras características. Dentre eles, podemos citar o jornalista Nelson Pereira dos Santos que fez Rio, Quarenta Graus e Rio, Zona Norte (em 1955 e 1957); Joaquim Pedro de Andrade, recém-formado na Faculdade de Física, fez O Mestre de Apipucos e O Poeta do Castelo (1959), documentários sobre Gilberto Freyre e Manuel Bandeira; Paulo Cezar Saraceni que, depois de uma experiência amadorística em 16mm, revelou-se também com o documentário Arraial do Cabo. Na Bahia, acompanhando o movimento carioca, Glauber Rocha, crítico ativíssimo, realizou um curta-metragem, O Pátio. A amizade estreitou o ideal de cada um. Pouco a pouco, o espírito cultural – "a serio" – da literatura ia-se transformando em cinema2. Cinco Vezes Favela, filme coletivo, lançou o movimento ainda anônimo na praça. Feito à margem e quase em segredo, Os Cafajestes, de Ruy Guerra, trouxe a dose de escândalo que faltava, sacudindo a atenção do público alheio aos movimentos e às pretensões dos bastidores. O Pagador de Promessas, arrebatando a Palma de Ouro no Festival de Cannes, em 1962, contribuiu com o ânimo que faltava para corrigir as deficiências de um idealismo solitário. Anselmo Duarte, entretanto, não cumprindo à risca as solicitações que se desenhavam nas ambições e nas necessidades coletivas, foi posto à margem do movimento. Durante o desenrolar desses acontecimentos (ou, talvez, influenciado por eles), um outro grupo, atendendo ao chamado do crítico carioca Ely Azeredo, reunia-se para fundar urna publicação que receberia justamente o nome Cinema Novo. A publicação não chegou a sair e, conforme se diz, o crítico em questão renegou em seguida a sua idéia e o nome que, por ressonância, foi adotado como fórmula genérica. O cinema novo progrediu de forma inorgânica e hoje (1966) começa a produzir maduros os frutos verdes de ontem3. Seus membros, sobretudo os daquelas sessoes semanais da Cinemateca, Continuam unidos e à frente do movimento, O cinema novo também é uma fraternidade. NOTAS 1. Orgão mensal francês, mundialmente conhecido, sede de fundação da nouvelle vague, principal movimento de independância cinematográfica e de anticonformismo. 2. Joaquim Pedro de Andrade, por exemplo, de tradicional familia mineira, segue a linhagem cultural das obras de Carlos Drummond de Andrade. Paulo Cezar Saraceni filia-se ao grupo de Otávio de Faria e Lúcio Cardoso. 3) 1964 — os pontos altos do cinema novo inorgânico surgiram aqui: Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Olauber Rocha, e Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos. |
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