Névoas, sombras e estranhamento - as phantasmagorias sob a óptica do romantismo

Parte VIII
Boa Noite


Qual terá sido a real importância das fantasmagorias dentro do contexto de sua época? Terão sido elas menosprezadas pelos estudiosos, que se voltaram invariavelmente para o cinema, minimizando sua influência, ou terão sido realmente insignificantes seu impacto social e, as correlações por hora encontradas não passem de delírios concatenados com a intenção de se tornarem reflexão histórica? Os dados são tênues, os motivos de aprofundamento são tamanhos e confessadamente irrealizados, para que quaisquer conclusões sejam tiradas.

Talvez esta dúvida levantada ateste o grau de eficiência daquelas exibições, que a princípio tinham um fim exclusivamente didático, uma forma paliativa e bastante prática, como se pode atestar mais tarde, de fazer com que os laicos pudessem conviver sem pânico com os fantasmas que os habitam e os rodeiam. Hoje, de uma certa forma, os fantasmas estão domesticados a ponto de "baixar" sem causar muito alvoroço, cercado por teorias, inutilizados pela realidade opressora das grandes cidades, expostos sem trégua pela mídia, mas antes, suas aparições causavam estranhamento e calafrio. A transição de um estado para o outro encontra-se neste breve período nebuloso, de cuja fonte este ensaio procurou buscar as palavras e a inspiração.

O projetor de fantasmagorias passou por muitas fases, foi utilizado com muitos fins, por diversas razões. Seu inventor, em 1650, projetava-o com luz de velas para um público de alunos de medicina; mais tarde, monges jesuítas adaptaram-no para a catequese de índios, desenhando nos vidros demônios, duendes e personagens bíblicos. Na França, a partir de 1794, começou a ser utilizado como entretenimento, depois que seu mecanismo foi adaptado à iluminação a gás. Em meados dos século XIX, transforma-se em divertimento infantil. Na totalidade de sua história, vemos a construção de um objeto ligado mais ao fantástico, ao imponderável, do que à ciência e a racionalidade, a ponto de seu inventor, Christian Huygues, renegá-lo por envergonhar-se do rumo tomado por seu invento, que divertia amendrontando, ao invés de instruir. Esta tendência fez com que as projeções, em um mundo cada vez mais ligado aos preceitos iluministas, fosse abrindo espaço para experimentações mais próximas da realidade, que a representasse com maior nitidez e probidade. Até que isto ocorresse, elas continuaram existindo como uma máquina híbrida, que causava desconforto, pois, sua existência dependia exclusivamente do apelo ao sobrenatural, indo na contramão do pensamento de sua época. Com o tempo foram deixando de assustar os adultos, mas permanecendo nos pesadelos das crianças que um dia estes adultos foram.

Apesar deste paulatino sucateamento de sua estrutura no desenrolar das Luzes, vemos pontos de sustentação que, dada a sua compatibilidade com história do pensamento humano, fazem com que esta permaneça ainda em funcionamento restrito: o romantismo com seus jovens artistas atormentados por fantasmas, inconformados com as limitações impostas ao pensamento pela razão pura, bebiam ainda na fonte de suas imagens depauperadas, de seus vultos medonhos. A imaginação para eles era irrestrita, e as fantasmagorias óticas, de uma certa forma, foram aquelas que mais souberam responder a esta sede pelo gótico, pelo macabro, preenchendo as expectativas da melancolia suicida. Se elas não foram as responsáveis pelas fantasmagorias românticas totalmente, entretanto, deve-se respeitar o silêncio deixado pelo eco das declamações, que por ora só podemos deduzir, em meio as projeções de fantasmas externos, luminosos.

Talvez, a dúvida aqui, sirva muito mais para mantê-los vivos, os fantasmas. Talvez este estudo só venha a inquietar a névoa compacta, desmanchando-os ao querer movimentar o ar estagnado por figuras fantásticas, que só almejam uma paisagem esquecida e nada mais. O melhor a fazer então é deixá-los quietos e ir dormir, se possível, o sono dos justos, desejando paz aos desencarnados que se acumulam na insuficiência de corpos, de palavras, de estrutura qualquer que possam reatá-los com a substância da vida.
Desejo a todos que leram este breve ensaio uma boa noite e que sonhem com os anjos.

Guilherme Sarmiento