Exu, uma tragédia brasileira,
de Eduardo Coutinho

Brasil,
1979
Considerado
por Eduardo Coutinho uma "reportagem jornalística" e
não um "documentário", Exu... é
uma curiosa experiência no campo do jornalismo sensacionalista.
Não foi à toa o pedido do diretor para que o filme tivesse
pouco destaque dentro da retrospectiva do É Tudo Verdade 2002:
Desde as primeiras
imagens, Exu traz os traços de um jornalismo verborrágico,
trágico, colocando na voz de Sérgio Chapellin um tom explícito
de tensão: "Esse caixão que vemos agora, é o
resultado do último de uma série de assassinatos na cidade
de Exu..." Como um repórter em busca da verdade, Coutinho
(apesar de raramente aparecer na imagem) colhe depoimentos informativos
sobre o caso e vai traçando um histórico da luta entre duas
famílias de poderosos políticos nordestinos, até
mesmo utilizando uma repórter numa pequena sequência.
* * *
Se pouco desse estrionismo
parece dialogar com o cinema consagrado de Eduardo Coutinho, outras passagens
recuperam traços comuns a obra do autor, presentes também
em Seis dias de Ouricuri:
As entrevistas, as
imagens do cotidiano da cidade, a tentativa de extrair de seus personagens
as conclusões mais expressivas sobre a história (deixando
nas mãos da narração o papel apenas informativo e
de proposição de questões) são marcas do diretor.
São os personagens que discutem diante da câmera as diferentes
possibilidades, as eficácias das diferentes soluções
para o fim da violência.
O absurdo que rege
a luta entre as duas famílias (Sampaio e Alencar) resulta em curiosos
depoimentos e discursos. A montagem expõe ao ridículo o
trabalho impotente da polícia e da justiça, esboça
a incapacidade política do povo de se libertar do vai-e-vem de
poder nas mãos das famílias e revela as metafóricas
festanças interioranas ao som elétrico dos Beatles
(numa seqüência à la Simão do Deserto).
A reportagem, apesar
de seu formato diretivo, consegue traçar um caminho de observações
que vão além da denúncia ou da exploração
sensacionalista dos fatos.
Descompassado e curioso
retrato de um cineasta se revirando dentro dos limitados recursos do "bom"
formato televisivo de documentar. Após ter realizado os marcantes
Ouricuri (1976) e Teodorico (1978), Coutinho claramente
realiza um filme-reportagem pouco articulado com a evolução
criativa de seu cinema.
Já sofrendo
com um encaminhamento estético inflexível, esse episódio
(de 1979) representa a exata transição entre o formato autoral
do Globo Repórter e o atual modelo telejornalístico
de realidade. Depois de cerca de 7 anos (1972-78) de uma maior experimentação,
as possibilidades criativas Globais começavam a recuar.
Felipe Bragança
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