O cinema ausente: entrevista
inédita com David E. Neves
David
Neves foi um dos nomes solicitados para uma série de matérias
publicadas na Tribuna da Imprensa, em 1992, cujo objetivo era refletir
sobre a paralisação do cinema brasileiro nos anos colloridos
(foram ainda entrevistados Mário Carneiro, Luiz Carlos Barreto,
Luiz Rosemberg Filho, Sérgio Santeiro, Sindoval Aguiar e Mariza
Leão). A conversa que segue serviu como base para a reportagem,
daí seu caráter não biográfico ou retrospectivo.
Paira sobre ela o inevitável clima melancólico da época,
entretanto suavizado pela figura sempre simpática de David Neves,
que concedeu esta entrevista em seu apartamento, cercado de livros, originais
datilografados e algumas aquarelas.
David - ... aí
eu entrei de cabeça, eu mesmo não esperava, aquele negócio
de colégio que a gente fazia, teste vocacional, eu nunca... eu
acabei fazendo faculdade de direito, mas... devia ter feito línguas,
porque eu sou... eu tenho uma facilidade muito grande pra negócio
de línguas, falo inglês, falo francês, italiano...
mas só vim descobrir depois. Alemão eu não consigo
falar... Mas assim mesmo ainda arranho um alemão, quando eu vou...
Eu viajei treze anos pra Itália-França-Alemanha, Itália-França-Alemanha...
Acabei sabendo algumas coisinhas de alemão. Mas isso por causa
do cinema, quer dizer, fui escrevendo, organizei retrospectivas de história
do cinema brasileiro... e... organizei num Festival de Berlim em 1966,
acabei júri do Festival de Berlim em 1970... Então... Mas
aí eu só fui fazer filme em 1968, Memória de Helena.
Eu não esperava fazer filme de longa-metragem. Comecei com um curta-metragem
sobre Humberto Mauro em 1966 que me deu um certo prestígio...
Luís Alberto
- Mauro, Humberto, não é?
David - É,
o Mauro, Humberto e... aí eu fui enveredando por aí...
e uma vez mergulhado não se sai mais. E eu tive até uma
certa sorte, comparado com Nelson Pereira dos Santos, que fez filmes nos
anos 1950, Rio 40 Graus e Rio Zona Norte, ou o Alex Viany
com o Agulha no Palheiro, que o filme não tinha exibição...
Eu passei por um certo apogeu, que foi o apogeu da Embrafilme quando o
Brasil chegou a fazer mais de cem filmes por ano. E os cinemas passavam
os filmes. Com Luz del Fuego eu ganhei um bom dinheiro e não
perdi com nenhum. Mas só que foi decrescendo... Mas... A situação
agora é que tá trágica, porque não se ganha
nem se faz... É uma coisa, então que... Eu voltei às
aquarelas. Não é pra sobreviver, porque eu escrevo, faço
uns... tenho vários projetos de coisas institucionais pra TV Educativa,
tô esperando as coisas... A Lei Rouanet só agora foi regulamentada,
então... Tô esperando ainda. A aquarela pelo menos me deixa...
é aquele negócio de higiene mental, assim de você
poder... Como eu tenho essa casa aqui, não tenho muita despesa,
eu consigo às duras penas ir sobrevivendo.
(David mostra uma
série de aquarelas: cavalo de corrida em movimento, Antônio
das Mortes e um desenho estilizado do cartaz de O Bravo Guerreiro, segundo
David, uma homenagem à Gustavo Dahl, com a seguinte dedicatória:
"ao bravo, bravíssimo guerreiro G. Dahl")
Luís Alberto
- Quer dizer, pra uma indústria que chegou a cem filmes por ano...
David - (interrompendo)...
tá um desastre!...
Luís Alberto
- ..."indústria" dentro de parâmetros brasileiros,
na verdade...
David - (interrompendo)...não!,
essa indústria foi reconhecida internacionalmente, até hoje
é reconhecida internacionalmente, basta dizer que quando o cinema
novo começou, antes de eu começar, os cinemas tcheco, polonês,
iuguslavo, húngaro, tavam no apogeu e nós competíamos
- o Glauber, o Cacá, o... vários filmes, passavam lá
em competição. E era pau-a-pau, agora... Eles acabaram,
eles devem estar passando - eu fico até pensando nisso - a produção
deles caiu mais do que a nossa, apesar da nossa crise, ainda tem uns heróis
nacionais que fazem ainda filmes e que... Agora, você vê
o Festival de Gramado deste ano [1992], quando chegamos ao ponto de ter
a maioria dos filmes da América Latina, e era o contrário,
os latino-americanos, argentinos, Aronovitch, o fotógrafo excepcional,
Ricardo Aronovitch veio pro Brasil, vinha todo mundo imigrado de lá
pra trabalhar aqui por causa do ápice de nosso momento. Agora é
o contrário, estão passando os filmes deles aqui. Mas também
são de vários países, agora... Tem dois filmes brasileiros,
que eu saiba, em Gramado. Mas a produção é nula,
porque o problema mais grave não é nem o apoio à
produção, é a reserva de mercado. Porque o Collor,
por exemplo, acha que os carros nossos são carroças. Deve
achar que os nossos filmes também são filmes mudos. (risos)
Porque ele não protege, os cinemas não são obrigados
mais a passar, como era antigamente, então a lei da reserva de
mercado é que é fundamental, e parece que ainda não
foi passada no Congresso, tá um perrengue danado pra saber
o que vai fazer, e enquanto isso não sair... Porque eu tenho uns
projetos de filmes, três projetos - Artistas Unidos, com
[Paulo César] Pereio, [Hugo] Carvana e Joel Barcellos, As Meninas,
da Lygia Fagundes Telles, tá até ali o livro, que eu tô
com esses direitos garantidos pra mim há mais de 15 anos e não
consigo filmar, e tem um filme inacabado com a Françoise Fourton
que eu fiz em 1970, e que a produção acabou, tem o material
guardado e seria um flash-back ideal...
Luís Alberto
- Que filme é esse?
David - Chama Amor
de Mulher. Agora eu... não posso fazer porque... eu tenho até
apelos de financiadores mas... eles não... por mais interesse que
eles tenham, eu não aceito que eles venham e eu vá dar um
trambique neles, porque vela sem pavio não existe, você não
vai fazer um filme que não passa! Se vier a lei de reserva de mercado
eu faço o filme amanhã, porque tem gente que quer bancar
meus filmes, eu garanto que tem e não é pouca gente, agora
o problema é que eu não vou trair essas pessoas, essa confiança
dessas pessoas, porque elas não entendem desses problemas burocráticos
que são fatais. Você fazer um filme e depois não passar
não adianta. E não é "não passar":
a lei de reserva de mercado implica na lei de continuidade no circuito,
quer dizer, o Luz del Fuego passou cinco semanas no cinema Odeon.
Por quê? Passou porque na primeira semana ele deu mais do que a
semana do ano anterior, no mesmo mês. Quer dizer, foi pra continuação.
Tem que ser igual, ou mais. Na segunda semana deu igual ou mais. E se
o exibidor tirasse, ele sofria um processo na justiça, então
ele ficou cinco semanas, porque foi dando, foi dando, foi dando... Isso
enquanto o exibidor tava doido pra colocar um filme americano, um filme
do contrato que eles têm com as distribuidoras americanas. Agora,
se eu fizer um filme hoje, eu tenho amizade com o Severiano [Ribeiro Jr.],
por exemplo, ele me diz assim: "Esse roteiro eu gostei, eu passo
seu filme"... Não adianta dizer que passa, se passar uma semana
e ele tirar - é o caso do Stelinha, que foi lançado
e ficou cinco dias. Tem que ficar em cartaz! Tá dando o que tá
previsto, fica, entendeu? Essa é a chave do problema.
Luís Alberto
- Nas discussões sobre a Lei Rouanet as pessoas sempre lembravam
dos desvios, da má utilização da Lei Sarney, etc
e tal...
David - (interrompendo)...
mas qualquer Lei Rouanet vai ter desvio, já tá tendo desvio!
A Lei Rouanet tem que ser acoplada à lei de reserva de mercado.
Não é a mesma lei, é a Lei do Audiovisual, que é
outra, e que não passou no Congresso. Uma com a outra, agora: eram
112 dias por ano que os cinemas eram obrigados a passar filme nacional.
Caiu pra 42, tá bom - 42 tá bom, mas desde que seja aprovada,
essa lei... Começar de novo, antigamente era 8X1, oito filmes estrangeiros
pra um nacional, hoje tem que ser alguma coisa, pelo menos... Quem é
que vai pedir dinheiro pra cinema? A Lei Rouanet deve estar ajudando a
pintor, a... A Lucélia [Santos] parece que levantou praquela Floresta
Amazônica, Sonho de Uma Noite de Verão lá... 1,
2 milhão de dólares ou mais, sei lá. Aí é
teatro, é outra coisa... Tá lá no João Caetano,
até fui ver, confesso que gostei muito, até. Vi sem ela,
que ela tava em Brasília reivindicando uma outra parcela - pode
até botar isso na matéria -... Adorei, agora... ela chamou
um alemão pra dirigir, coisa que eu também sou cont... não,
é meu amigo, [Werner] Herzog, que eu conheço pessoalmente,
agora... nas minhas viagens eu conheci muito, ele fez os filmes com Ruy
Guerra e com o Rui Polanah, vinha aqui, a gente se encontrava... Mas não
é isso que... não tenho nada contra, agora no cinema não
pode isso, o teatro é uma coisa, cinema é outra. Livro:
o Fernando Sabino pode fazer um livro de brinde de fim-de-ano, pela Lei
Rouanet, tá certo. Mas cinema não dá, porque cinema...
A Lei Rouanet tinha que prever também, como era a Lei Sarney, quem
investia, além de descontar no Imposto de Renda, tinha uma possibilidade
de participação no lucro de um filme. Como é que
vai ter lucro num filme se não passa?
Luís Alberto
- E aquela questão da colocação dos filmes brasileiros
na televisão?
David - Seria também
caso da Lei Rouanet, só que isso é uma outra história
que eu propus ao Rouanet, eu fui lá, passei duas horas com ele...
Que ele fizesse um encontro de cavalheiros entre [Luiz Carlos]
Barreto, Jarbas Barbosa, [Aníbal] Massaini, Boni, Sílvio
Santos e Cláudio Petraglia. Pra combinar, não precisa nem
ser lei, basta acertar um acordo de intercâmbio, e a coisa que eu
mais tenho fixação é que, como na Europa, a televisão,
com base no seu merchandising, nos seus anúncios, com a
Kodak, com a Coca-Cola, com a Brahma, produzisse filmes com os artistas
que ela contrata pra fazer as novelas. A Globo, por exemplo, podia fazer
um filme por ano, a Globocine, podia criar... engajando os atores
que eles contratam pra fazer por ano um filme, e esse filme eles faziam
de graça, porque não precisa ser pra mim, Daniel Filho é
um grande diretor - pode até botar isso -, o... tem vários
diretores, o Paulo Gil Soares... Fazer com os diretores deles mesmos,
mas pra cinema, eles abririam um cinema em Caruaru, e lançariam
em cinema. Holofotes, toda a trupe da Globo iria pra lá... Entendeu?
(interrupção)
David - ... abririam
cinemas que foram fechados aqui no Brasil, com esse negócio...
Eu fiz um texto chamado Globocine... (se afastando) Tem que ver
se eu acho, essa casa tá uma confusão...
(nova interrupção;
David não acha o texto)
David - Bem, aí,
como é que eu parei...?
Luís Alberto
- Você estava falando da Globocine...
David - É,
a Globocine eu acho que poderia ser uma idéia, ou podia ser a Bandecine,
Sílviocine, por aí vai. Porque eles têm uma
capacidade de merchandising que nós não temos, quer
dizer, a Kodak em cada brake anunciaria assim: "Filmes Kodak blá-blá-blá,
revela não-sei-aonde..." Não é? E aí
você contrata os atores, que você tem contratados, fixos...
Manchete: Manchetecine! O Wilson Cunha, da Manchete, me propôs
fazer um seriado, que seria o Artistas Unidos, com quinze episódios
de 12 minutos... Mas só que mudou a diretoria da Manchete, e aquele
negócio ficou meio mal parado, não sei o que é que
aconteceu... Não foi pra frente ainda, mas pode ser que
esse Artistas Unidos ainda seja um seriado pra televisão.
Mas feito em vídeo, não em filme. A minha idéia da
Globocine, ou da Manchetecine, é filmar em película, lançar
em cinema, como os bons países civilizados - Estados Unidos,
Canadá, México e... França, Itália, Alemanha
- Alemanha, sobretudo -, e depois passar na televisão como
conseqüência final, entendeu? Foi o que aconteceu com o Antônio
das Mortes [título para o mercado europeu de O Dragão
da Maldade Contra o Santo Guerreiro], do Glauber Rocha, que foi feito
pela televisão francesa, estreou em cinema e depois passou com
grande audiência na televisão.
Luís Alberto
- Agora, você como crítico - você tem uma larga experiência
nesse campo -, como é que a crítica pode influir num momento
como esse, colaborando para que haja um reaquecimento no cinema brasileiro,
jogando idéias novas, discutindo, participando... Como você
vê a crítica, ela ajuda ou atrapalha?
David - A crítica
abandonou um pouco a meditação, o raciocínio, então...
A crítica ficou um pouco produto de venda e também de entusiasmo
imediato, uma coisa assim muito superficial. Antigamente, quando não
tinha televisão, a crítica era meditativa... Não
quero puxar brasa pra minha sardinha, mas... Era que se analisava os filmes,
falava dos filmes propriamente ditos. Há ainda umas exceções
boas, mas o que eu acho é que não há uma crítica
como (mostra em redor) esses livros que você está
vendo aqui, não tem... Crítica que você lê e...
Eu tô lendo agora o Bonjour Tristesse, da Françoise
Sagan, um livro que eu tô, nessa bagunça aqui, tô relendo
o livro, é um filme que eu até usei uma cena dele no Fulaninha...
É impressionantemente bom de fazer isso, porque você vê
que o Otto Preminger usou o livro mesmo, você sente aquela
cena... Eu que vi muitas vezes o Bonjour Tristesse, é impressionante
como ele adaptou o livro fielmente, assim, uma coisa bonita...! E essa
vinculação entre a literatura e cinema, que a crítica
antigamente tinha, hoje só tem cinema e pouca literatura. Eu sou
da época do Paulo Emílio Salles Gomes, que era meu guru,
tem um livro de dois volumes que você já deve ter visto,
que é um livro extraordinário, e eu ainda vivo um pouco
essa... aproveito essas coisas do passado. Mas é difícil
você ver isso hoje, além do mais não tem espaço
no jornal. O jornal é um mercantilismo puro: tem que ter um anúncio
aqui, você corta esse artigo aqui... Além do mais, tá
certo, porque também não dá pra sobreviver, né...?
Muitos artigos bons poderiam ser muito maiores se não fossem os
anúncios cortarem... Agora, ser podado o autor do artigo não
quer, então não sai nada.
Luís Alberto
- Na sua opinião, quais as causas desta involução
que estamos vivendo agora, de uma produtividade intensa de repente virar
um deserto? O que causou isso?
David - É,
eu já falei, primeiro é a falta de concorrência, quer
dizer, antigamente, quando eu digo o apogeu do cinema brasileiro, você
tinha 100 filmes, 95, sei lá, por aí... O exibidor, com
a lei era obrigado a escolher, e ganhava dinheiro, quer dizer, ele escolhia
mas não escolhia coisas ruins, não... Donde saiu Dona
Flor e Seus Dois Maridos, 13 milhões de espectadores, recorde
absoluto no Brasil; donde saiu Bye Bye Brasil, donde saiu Luz
del Fuego, donde saiu Toda Nudez Será Castigada... Ele
escolhia daí, quer dizer, hoje você... O Stelinha,
que é um exemplo, do meu grande amigo Miguel Faria, que eu acho
que é um exemplo que... ganhou todos os prêmios em Gramado
e não passou, quer dizer... É um desânimo... O [Luiz]
Rosemberg, por exemplo... O Rosemberg é uma pessoa de uma alta
competência, mas - bota isso, por favor - de uma alta competência,
mas ele perdeu grandes momentos, também, porque quando ele podia
mostrar, ele também... foi pra Paris, não sei o quê...
Bota tudo isso, aí... As pessoas falam mais ou menos a mesma coisa,
o Mário Carneiro, que me ensinou tudo em cinema, comecei com ele
como assistente de fotografia no Couro de Gato, do Joaquim Pedro,
até hoje ele é meu mestre prático - o guru
é o Paulo Emílio, o prático é ele.
Ele, eu devo até dizer que, sem falsa modéstia, que eu forcei
ele a fazer o Gordos e Magros. Mas foi uma produção
que já pegou uma fase descendente, que não foi devidamente
curtida pela exibição, não sei o que aconteceu que...
A minha força foi apoio moral prévio, não durante.
Mas ele... é um filme ótimo, brilhante. Agora, o problema
é que a reprise no Brasil também não existe. O instituto
da reprise também não existe, porque antigamente a lei de
112 dias vinculava ao certificado de censura, depois de cinco anos tava
acabado, não valia mais pra cumprir a lei, então não
passa mais.
Luís Alberto
- E você também é fotógrafo...
David - Eu fiz o A
Noiva da Cidade do Alex Viany, como fotógrafo.
Luís Alberto
- Você já pensou em trabalhar como fotógrafo na televisão,
como o Mário Carneiro tem feito?
David - Não,
não, televisão... Se fizerem a Globocine e me chamarem,
eu vou...
Luís Alberto
- Fora isso...
David - Não,
aí não, não tenho muita... Eu hoje vejo televisão
- quer dizer, via, que hoje eu não tou vendo mais - mais
pra negócio de elenco, que eu gosto muito de... eu acho que elenco
tem uma coisa forte: elenco é roteiro, pra mim; é uma coisa
assim que ajuda. Eu não gosto de repetir... Por exemplo: Cristiane
Torloni e Nuno Leal Maia foram muito usados, há uma mania de repetir
esse chavão, eu não gosto. Então eu usava a televisão
pra misturar Nuno Leal Maia com uma pessoa completamente não esperada,
ou então duas não esperadas com mais uma esperada... Usava
isso. Mas agora, eu... Eu quero fazer As Meninas com a Fernanda
Torres, a Maitê Proença e a Françoise Fourton, quero
fazer Artistas Unidos com Paulo César Pereio, Hugo Carvana
e Joel Barcellos, e a Françoise Fourton de novo, naquele filme
inacabado com o Villaça, que morreu, o Paulo Villaça...
Helena Ignez, que tá viva, e o Renato Machado, que hoje é
um anchor man da Globo e eu... mas ele era ator meu naquela época.
Então tem imagens dele de 1970, então eu gostaria de usar
no presente... Se a Globo deixar, se a Globocine permitir - bota
isso, que é bom, isso na matéria é bom...
Luís Alberto
- Esse projeto dos Artistas Unidos, você poderia falar um
pouco mais dele?
David - São
três malandros, três pessoas amigas que se reencontram e...
eram amigos de colégio, de juventude, e há um interregno,
eles se reencontram e aí começam a encontrar sempre rivais
nas bravatas e nas coisas... E aí eles começam tudo de novo,
quer dizer, começa por um fim e acaba num outro fim. E é
a história das mentiras, é um filme sobre a mentira. E eles
se gabam, cada vez mais, e aí... as verdades vão sendo esclarecidas,
tem uma surda-muda, tem uma... tem os personagens mais loucos! Mas são
capítulos de suspense, porque eles vão saindo, saem de noite,
aí a surda-muda explica pra eles... São duas irmãs,
uma é surda-muda... É uma história, é uma
comédia carioca, né...?
Luís Alberto
- E As Meninas?
David - Esse eu sei
de cor, tá ali, tá vendo ali debaixo? Tem a sinopse, aquilo
ali eu sei de cabeça, que eu joguei ali ontem... (risos).
Isso aí é fiel, sei de cor, posso filmar amanhã...
Luís Alberto
- Tá ótimo. O que mais?
David - Ah, tá
bom, né...?
Luís Alberto
- E o projeto do livro, você não tem o projeto de um livro?
David - Ah, meu livro!
Meu livro, o Cartas do Meu Bar... Tá entregue na editora
Timbre, quer dizer, tá sendo entregue. É um livro que mistura
crônicas daqui do bar da rua com crítica de cinema, mais
ou menos ligadas a assuntos que eu estou falando no bar... São
críticas leves.
Luís Alberto
- São crônicas?
David - Não,
são críticas de cinema impressas, no Pasquim, Vista Pro
Mar... E eu escrevi, já, são críticas, reproduções.
Mas são leves, são críticas que se lê com a
mesma leveza do texto da crônica. Agora, tem aquele calhamaço,
lá em cima, ali, que se chama Sem Cerimônia, que é
um livro só de artigos mais pesados. Mas isso eu vou esperar sair
o primeiro antes. Tudo pela Timbre.
Luís Alberto
- Outra coisa que eu queria te perguntar: o que você pensa a respeito
dessas co-produções, como as que o Nelson Pereira dos Santos
está buscando agora, o Zelito Viana...
David - Não
saiu, né?, não sei, não faço a menor idéia.
Tô esperando pra ver, quando sair eu te digo... Eu prefiro fazer
filme pra brasileiro, eu não quero saber desse negócio de
gringo, não... Se possível, fazer pra brasileiro.
Grifa isso aí. Agora, vou te falar: tá gravando, né?
Eu vou fazer As Meninas com três atrizes, e eu vou dublar
em Los Angeles, ou em Miami ou Nova Iorque em inglês, com dubladoras
profissionais. Isso é uma idéia do Paulo Thiago, você
pode botar isso, que é uma idéia genial que ele fez no Jorge,
Um Brasileiro, só que tinha 52 atores. Cinqüenta e duas
vozes pra dublar é ruim, agora... Mas três é moleza,
então eu chego com o texto lá... Agora, pra passar na televisão
de lá, não quero veleidade de ser lançado em cinema...
Aí, pode salvar o orçamento, eu vendo pra uma televisão
lá; pelo preço que o filme sai aqui eu posso tirar o meu
e sair ganhando. Ganhando não, mas pelo menos passar aqui de graça.
Isso aí você põe na matéria (risos).
Luís Alberto
- Tá ok, David. Tá posto!
(Entrevista realizada
em agosto de 1992, no apartamento de David Neves, Copacabana, Rio. Transcrição,
revisão e introdução: Luís Alberto Rocha Melo,
24/05/2002)
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