7) Diálogo do cinema novo

Em 1962 o grupo principal do cinema novo reuniu-se na casa de Luiz Fernando Goulart a fim de, numa espécie de exame de consciência, fazer um levantamento de seus problemas e de suas perspectivas. Luiz Fernando Goulart era um jovem e entusiasta acompanhante do movimento e revelou-se posteriormente um ativíssimo assistente que hoje aspira à realização.

Foi uma reunião histórica que ficou perpetuada pela gravação dos depoimentos e pelas fotografias de Luiz Carlos Barreto.

Fizemos desse levantamento, uma selecão cuidadosa que, conforme frisamos no início deste volume, não pretende apresentar hoje os pontos de vista dos membros do cinema novo, apesar de retratar fielmente o grau e a intensidade dos seus problemas, das suas alegrias e frustrações. As questões objetivas apresentadas aqui já se transformaram, mas a fraterna atmosfera do cinema novo permanece.

JOAQUIM PEDRO DE ANDRADE

"Fiz um filme, Couro de Gato, que tinha uma intenção poética da qual me orgulho e gostaria de praticar. Mas eu pretendia naquele filme um sistema de super posições de modo a atingir todos os níveis, todo o mundo. Eu me convenci de que isto reduz a validade artística e cultural do que se faz. Se você não se submeter a dogmas básicos que são sempre generalizações e, fundamentalmente, são contrários a tudo que é validade artística, qualquer obediência à idéia geral serve a uma obra. A meu ver o mais efetivo é ter liberdade total em relação a isto (...)".

"Há uma grande revolução geral que engloba tudo e há outras, em planos diferentes. Por exemplo, se o artista faz uma obra importante no tempo dele, original e única, ele opera uma revolução. (...)"

"À gente está fazendo um cinema revolucionário mas está fazendo num nível onde ele pode ser realmente útil e contribuir com alguma coisa. Porque há um nível de estratificação cultural, a gente tem de reconhecer".

GLAUBER ROCHA

"Quando eu falo contra a esquematização é contra a simplificação. O grande perigo do cinema novo com o cinema político é a simplificação que pode levar a um fantástico primarismo de todo o cinema. Pois então nós vamos redundar num cinema de atração sem conseqüência".

"Eu acho isso, defendo isso e vou fazer filme sempre com isso, com a cabeça e com o coração, doa a quem doer’’.

LUIZ CARLOS BARRETO

"No Brasil o cinema nem sequer se industrializou e o cinema novo teve apenas o aspecto de romper com a chanchada e nunca com a indústria. Teorizar agora o

Cinema novo e negar a experiência que se deve fazer porque pela primeira vez no Brasil se coloca, no campo do cinema, em pé de igualdade com todo o movimento mundial (...)"

"Será na medida em que suas teses se identifiquem com as do povo que ele atingirá mais ou menos este povo. O problema de se querer colocar o cinema novo a serviço de questões ideológicas, de esquerda ou de direita, será limitar e, ao mesmo tempo, exilar uma boa soma de sujeitos que possam realizar um cinema até reacionário, mas, que do ponto de vista da estética, tragam grandes contribuições. E é perfeitamente válida e valiosa experiência estética dentro do cinema novo (...)".

"Essa experiência (cinema novo) ainda é indigente, pois as realizações não atingiram ainda um mínimo sequer de qualidade. Ela tem de ser ainda aprofundada, porque senão será efêmera, de diletantes que chegaram às conclusões mais limitadas e se contentam com elas. Ela pode mudar de nome, pode chamar-se Amarela, Vermelha mas tem que se aprofundar, tem que tomar direções em todos os sentidos".

LEON HIRSZMAN

"O problema que eu tenho como realizador, como ser vivente de mais de 60 anos que eu talvez ainda tenha pela frente, é dar na medida do meu possível, alguma coisa para mudar essa situação que encontrei quando nasci. Não há nada além disso. Nada e Nada (...). Este problema pode não se situar no plano da consciência, mas eu espero que se situe no plano do sentimento...".

"É este o lado da nossa comunhão. Tem uma humanidade lá fora (...)".

‘‘Na medida em que alguém parta do cinema reacionário e este sirva a nós, ele deve ser utilizado. Na história da arte esse negócio sempre aconteceu, independente de qualquer vontade ou colocação consciente".

"O problema que nós ternos pela frente, acredito, é a consciência e a conseqüência (nessa teoria e prática) frente à criação de uma arte de caráter revolucionário, inconformista, transformando a sociedade brasileira em termos brasileiros e, fundamentalmente, em terras brasileiras. (...)."

"O que nós temos de exigir de cada um de nós é a consciência e a conseqüência dos seus atos neste mundo, é fundamentalmente ter a consciência de que o homem fez a história e a história fez o homem".

MÁRIO CARNEIRO

"Cinema novo para mim é mais um agrupamento de amigos. Muitos deles faziam outras coisas e muito poucos punham o cinema em seus cálculos. Num dado momento houve urna precipitação de talentos para fazer uma coisa que estava no momento exato de ser feita. Essa coisa era o cinema. Isso precisa ser acima de tudo considerado como a soma de esforços vindos das artes literárias ou das artes plásticas. Desse esfôrço é possível que resulte alguma coisa, já que ainda é cedo (...)"

"Isso tudo será sempre o primeiro passo de uma arte conjunta que vai atingir um novo plano, um plano a que os arquitetos medievais chegaram quando construíram, em conjunto, as grandes catedrais (...)"

"Eu quero dar meu ponto de vista em torno de um problema que vocês abordaram sempre de uma maneira diferente da que eu vou abordar. Vocês falam muito de uma obra de arte com um sentido, digamos assim, social, uma linha politica determinada, etc. Eu levantei pela primeira vez o sentido verdadeiro da obra de arte social, que vem a ser uma obra conjunta que existiu nos grandes momentos da Humanidade, em que ela estava toda de acordo. Um arquiteto geral orquestrava a obra dos grandes artistas... Por exemplo, Notre-Dame, que atingiu o limite do dizer em seu tempo. O que eu espero do cinema novo é que ele tenha a ambição de fazer uma obra para uma porção de gente, sem que caia nesta coisinha de que o grande cineasta fosse um homem só, mas um grupo de homens que achassem a mesma coisa e que cada um desse o máximo de si para a idéia."

"Cinena novo é antes de tudo um fenômeno de amizade."

"O cinenia novo morreu; agora começa o que eu chamei de Segunda Safra do cinema novo e que provavelmente começará com Porto das Caixas. E é interessante que isto aconteça, porque foi o documentário de Paulo Cézar (Arraial do Cabo) que talvez tenha começado tudo".

RUY GUERRA

‘‘Dois fatos básicos: cinema novo é um fenômeno não tanto de realização, mas de público. O cinema novo só passará a existir na medida em que exista um publico para seus filmes (...). A função do cineasta novo é a de, através de seus filmes, dar ao público a oportunidade de crítica de seus problemas fundamentais. Eu não considero que o filme deva ser espetacular, se espetacular significa simplesmente empatizar o público, emocioná-lo, sem dar-lhe possibilidade de crítica. O público deve ser atraído por um filme através do tema que expõe. A partir daí, penso que a liberdade de expressão do cineasta deve ser possibilitada por uma produção independente, se independente significa dar a possibilidade de o cineasta dizer o que quer, da maneira que quiser.

A linha ideológica ou estética do cinema novo aparecerá posteriormente e será passível de análise. A priori, acho que não cabe nenhum dirigismo. (...)

Um filme que aborde problemas pequenos, mesmo que seja esteticamente válido, agora ou no futuro, torna difícil estabelecer se é ou não o cinema novo, através de uma posição estética, exclusivamente. Cinema novo vai ser definido através de dua posição ideológica, porque a função do cineasta vai ser definida pela verdade que pretenda transmitir"

FERNANDO CAMPOS

"O que eu tenho atualmente é a pretensão de falar a milhares de pessoas".