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Sobre técnica no cinema
brasileiro

Tive
e creio ter ainda o vício da obervação cujo florescimento
se deve em grande parte talvez à minha natureza algo retraída.
Em geral ouço mais do que falo, vejo mais do que sou visto. Esse
defeito (como o considero) permitiu minha experiência no cinema
brasileiro elaborar uma visão específica das diversas funções
da equipe cinematográfica. Essa "visão específica",
se tem foros de objetividade, não sei, acredito estar bastante
impregnada de conceitos pessoais que se somam a essas próprias
vivências. alguma coisa porém há de se aproximar da
verdade e é contando com essa porção mínima
de utilidade que me animo a recapitulá-las aqui. Por outro lado
torna-se difícil um estudo histórico da questão,
apesar da utilidade do método comparativo, uma vez que ainda é
imatura a experiência que tenho desses problemas. Esse depoimento,
portanto, deve ser tomado exclusivamente no que ele pode ter de oportuno.
Essa
descrição sumária ao traduzir uma atmosfera confusa
de indecisão e desencontros dentro da realização
de uma película nada mais faz do que atestar essa confusão
e de outra forma justificá-la como inseparável de um "estilo"
de trabalho tipicamente nacional e, dentro desse "estilo", justificar
e exaltar a função dos assistentes que, ao fim dos trabalhos,
são os elementos que possuem uma visão global dos problemas
inerentes a toda a produção. A depender do espírito
de observação desses e de sua capacidade de retratar esse
estado de coisas serão (são) os elementos que trarão
a público os maiores depoimentos sobre a luta em que se constitui
a feitura de um filme no Brasil.
Tudo
isso me parece um pouco laudatório, uma vez que a minha maior experiência
no cinema brasileiro está encoberta por essa característica
"assistencial" , mas gostaria de ressalvar que meus exemplos
particulares se revestem de um marginalismo que sem falsa modéstia
gostaria de fazer evidente a fim de sanar qualquer mal entendido.
As
funções do assistente ainda não se revestem de maior
valor quando se observa o panorama técnico do cinema brasileiro,
isto é, as condições materiais que o condicionam
mais diretamente, desde o estúdio ao equipamento mínimo
necessário: uma câmera e uma objetiva.
Em
matéria de estúdio a visão geral não é
das mais alvissareiras e a não ser a previsão que trouxe
certa funcionalidade aos estúdios de Vera Cruz em São Bernardo
do Campo, São Paulo, é a improvisação e as
soluções a curto prazo a característica mais encontrada
fato que justifica plenamente a preferência pelas locações
nos filmes surgidas no que se convencionou chamar de cinema novo. Sendo
o estúdio basicamente um local fechado onde se pouco dispõe
de espaços livres e neles manobram com facilidade, a associação
mais imediata e mais de acordo com certas necessidades que surgiu foi
a de aproximar essa noção com a de auditório (o que
nos meios radiofônicos se constitui num conceito oposto). Ora, o
que se viu, com certa freqüência por parte dos que ainda identificam
cinema com aparato industrial foi o aproveitamento de velhos teatros ou
cinemas como estúdios improvisados. No Rio, o ex-teatro República
pode funcionar hoje ativamente com dois flateaux de filmagem apresentando
deficiência enormes, sobretuido quanto à parte acústica.
O cinema Astória foi também aproveitado, porém por
uma emissora de TV. Nos estados alguns exemplos desse tipo também
se verificaram. O que me é permitido adiantar de concreto neste
setor é que as deficiências inerentes ao fator estúdio
(sobretudo as de ordem econômica) são, no Brasil, ampliadas
em virtude da deficiência enorme daqueles de que dispomos. O fato
mais interessante a ser anotado é que todos os elementos que ainda
procuram estúdio para suas realizações ainda estão
imbuídos de uma falsa idéia de praticabilidade muito calcada
em influências exteriores. Basta que se repare no equipamento e
no pessoal que são colocados dentro dos estúdios para que
se tenha idéia da falsa noção de realidade de que
estão imbuídos. Senão vejamos: como câmera
emprega-se em geral a Mitchell (ou similar) que necessita no mínimo
de duas pessoas (além do diretor de fotografia) para sua operação.
O advento do novo cinema brasileiro consagrou a Arriflex, câmera
leve de fácil manejo que dispensa (na maioria das vezes) o próprio
foquista.
Entre
os estúdios vulgares que funcionam como meios ineficazes para aspirações
inatingíveis temos dois que merecem ser enquadrados como exemplo
à parte justamente pela sua situação histórica
não anacrônica e sua comprovada utilidade na construção
de um cinema bandidamente brasileiro. São eles o Rancho Alegre
em Volta Grande, Minas gerais, de Humberto Mauro e a Cinédia, hoje
reconstituída por Adhemar Gonzaga no seu sítio, em Jacarepaguá.
David
Neves
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