Copacabana

1. Visão panorâmica de Copacabana, com narrador informando dados frios sobre o bairro: número de habitantes, quilômetros quadrados, estatísticas de acidentes, números de lojas comerciais, número de escolas, e assim por diante. Corte seco.

2. Entrevista com José Carlos do Oliveira, passeando pela praia. Visão do poeta/cronista, incentivando nas perguntas que ele fale de Copacabana em ternos líricos, mesmo que trágicos. A mulher de Copacabana.

3. Regina andando na Avenida Nossa Senhora de Copacabana às cinco ou seis da tarde, atravessando ruas apressada mas com algum tempo para olhar vitrinas. Uma pressa quase mecanizada.

4. Num escritório, entrevista coletiva com um sociólogo, um político e um jornalista. Aspectos sociais de Copacabana. Dados genéricos. Explorar profundamente o aspecto teórico (mesmo que primário) deste encontro. O jornalista terá que ser, evidentemente, um moralista por fora mas à cata de muito escândalo; o sociólogo deve ser empalavrado e de difícil compreensão popular; o politico, o demagogo. É importante que nossa entrevista se dirija, fundamentalmente, para um campo altamente teoricizante.

5. Segundo Distrito. Presos. Guardas. Delegado. Entrevista com um delegado ou o mais branco e simples dos guardas. Uma visão mais primária de Copacabana, no sentido da sua simplicidade policial. Procurar falar dos marginais de Copacabana, da baixa e da alta roda.

6. Regina caminhando, na confusão, toma uma condução (ou tenta tomá-la).

7. Alcazar. Entrevista com um desportista de praia, um vagabundo saudável; um viado intelectualizado; um play-boy noturno; e um tremendo margina1. Essa entrevista deve diferir das outras no sentido de que não se a encaminhará na discussão de Copacabana: cada um destes personagens deve falar dele mesmo, sua vida, seus costumes. Esses comentários destas pessoas, devem vir off de documentais que a seguir exemplificamos.

8. Sobre a fala do viadinho: a Galeria Dezon, os beatnicks, o Bottle’s.

9. Sabre a fala do play-boy: o trottoir da tarde na Av. Atlântica e Av. Copacabana, os carros bacaníssimos que passam, as lojas elegantes para
homem, Sacha’s, una festa em edifício da Atlântica, etc.

10. Sobre a fala do marginal: a porta do Metro cheia de gente parada, o Mercadinho Azul, o Bar Bico, as rodinhas do canto do Leme, as ruas escuras da Barata Ribeiro, com homens andando sozinhos e sem pressa.

11. Volta para o Alcazar. Os três que já falaram se retiram. Fica só o praieiro, de calção, sorridente, sadio. Com sua gíria peculiar diz que o negócio dele é a praia, o sol, o futebol, o mar. Que tem garota que vê de noite. Mas dorme cedo para no outro dia chegar cedo à praia e só sair às quatro ou cinco. Se dirige para a praia.

12. Ligeiro documental da praia.

13. Ligação direta entre este documental e a chegada de Regina à praia. Desde logo se vê que ela conhece quase todo mundo. Cumprimenta uns e outros até se instalar, de barraca e esteira, biquíni, queimada. Deita de bruços. Chega um grupo amigo.

14. De longe, vê-se o grupo chegando e se ajeitando na barraca. Depois de ajeitados, câmera se aproxima. Rádio ligado, roupas e cigarros espalhados. São mais duas mulheres e um homem. Uma espécie de pajem. A câmera chega no momento exato em que Regina fala.
REGINA: ...uma graça!
LILIAN: Por isso que você não foi?
REGINA (faz chame): hum...
LILLAN: Por isso?
REGINA: Não foi só não. Eu não vou ligar pra isso. Não sou burguesinha.
LILIAN: Cadê o anel?
IVAN: (no ouvido de Regina, mas para Lilian ouvir): Lilian tá com um olho em você e outro naquele frescobol...
Lilian olha.

15. Um jovem bonito, jogando frescobol com uma loura.
LILIAN (OFF): Que bobagem...
REGINA: Que besteira menina... Cê inda gosta dele.
LILIAN: Já passou.
REGINA: Du-vi-do.
IVAN: Passa nada... Isso lhe ama.
REGINA: Alguém!..
LILIAN: Quero só cuidar do filho dele, tá uma graça... Cabelinho comprido, sabe?
REGINA: Ele esta a cara do avô.
LILIAN: Tem um pouquinho de cada um.

16. O grupo outra vez.
REGINA: Que é isso! Não se apresse, minha querida. Tem tempo.
LILIAN: Cadê o anel?
IVAN: Que anel?
REGINA (meio envergonhada): Brincadeira dela.
LILIAN: Você que disse, ué!
ROBERTA: Que anel?
REGINA: Ihh, Ivan.
LUCI: Que anel?
LILIAN: Tá noiva.
IVAN: Nããão!
ROBERTA: De anel e tudo?
REGINA: Não... não tem anel nenhum... não é bem isso.
ROBERTA (Olhando o ventre de Regína): Você se descuidou, menina? REGINA: Voces não entenderam nada...
IVAN: Vê se eu posso com esse assunto...
LUCI: Manda brasa, minha filha... Manda brasa
IVAN: Tá mudada...
Em breve estão todos rindo. A única um pouco menos gozativa é Lilian. Que mesmo assim brinca com ela. Regina está meio vexada. Tenta se explicar como se cometesse um terrível equívoco.

17. Regina tomando banho no chuveiro. Saindo do banho em casa. Regina almoçando com o pai e mãe, em silêncio.

18. Entrevista com uma mãe de família em Copacabana. Uma dessas mães de Copacabana (não é do mito, a da verdade) de classe média, meio gorda, bonachona, que nunca está inteiramente por fora de tudo. O inquérito é sobre seus filhos. O ideal, se possível, é que esta seja a mãe do desportista da praia e ao mesmo tempo de uma outra menina no estilo de Regina. Os três conversariam. O tema é casamento, o que está mãe julga um bom casamento para a filha, quando quer que ela case, com que tipo de homem, essas coisas todas (eu conheço uma formidável).

19. Regina na porta da delegacia. Entra. Os presos e todo o quadro e personagens do número 5, isto é, o Segundo Distrito. Regina tímida fala de longe com o entrevistado do distrito. O calor é tremendo (daqui por diante a marcação de calor deve ser sempre evidente, todo mundo suado, etc.).
POLICIAL: ...mas eu acho que não é aqui, não.
REGINA: Vê outra vez, por favor, sim?
O policial procura num fichário qualquer coisa. Passa um tira típico (de branco, etc. e olha Regina; paquera). Entra um policial carregando bolas, raquetes, tudo confiscado na praia. O policial volta.
POLICIAL: Num tá não.
REGINA: Como é que eu faço, hein? Isso é pra casamento, o senhor sabe? Não pode demorar tanto...
POLICIAL: É pelo jeito a senhora vai ter que ir na Central...
REGINA: Onde?
POLICIAL: No centro da cidade... Eu escrevo o endereço. Lá a senhora apanha o protocolo e se dirige ao chefe do departamento. Faz a reclamação, pede informação de requerimento e volta aqui. Talvez eles mandem...
REGINA: Puxa, assim é fogo...
POLICIAL (sorri): É... nesse calor a senhora vai ter que fazer uma vigem além-túnel...

Os Presos.

20. O marginal andando sem nada pra fazer. Lá pelas bandas do Leme. Homens trabalham na rua no calçamento.

21. Regina e um amigo na rua.
REGINA: Maior burocracia, rapaz...
AMIGO: Que que você foi fazer na polícia?
REGINA: Um negócio meu...
AMIGO: Tô com o carro aí, se quiser te levo na cidade.
REGINA: Deus me livre! Hoje não, tá muito calor.
AMIGO: E agora?
REGINA: Você vai aonde?
AMIGO: Comprar umas roupas. Se você quiser, vai comigo depois. A gente toma qualquer coisa pra refrescar. É o tempo que o sol tá morrendo.
REGINA: É, o dia tá perdido mesmo
Passam na porta de um cinema, observam o programa.

22. Uma loja para homens. Camisas, calças, etc. O amigo faz compras. Regina observa.

23. Morro do pavãozinho. Inquérito relâmpago. Moradores que passam e devem responder simplesmente a uma pergunta direta tal como "Que acha de Copacabana?" O último a ser entrevistado é o marginal, esse comenta a opinião dos moradores com o entrevistador.

24. O carro do Amigo, com Regina dentro, nas ruas dc Copacabana. de trânsito das 4 ou 5 horas. Passam pela praça Sorzedelo Correia cheia de paraíbas. Possivelmente, terá um grupo de protestantes fazendo zoada lá.

25. Bar do Hotel Miramar. Um jornal aberto tendo na primeira página notícia politica escandalosa e controvertida (plebiscito, crises, etc.). Regina e o Amigo sentados bebericam e conversam. Lá embaixo a praia (falo do bar do último andar), o dia começando a morrer (no verão o sol só sai às sete).
REGINA: Eu sou de esquerda. Acho que qualquer pessoa de caráter é de esquerda.
AMIGO: A gente nunca sabe o que eles querem, esse negócio de esquerda e direita é conversa fiada.
REGINA: Precisa ter coragem para dizer as coisas. Ser muito de esquerda contra essas bandelheiras e fofocas. O povo esta sofrendo, na miséria. É preciso ajudar o povo.
AMIGO: É muita bossa agora dizer isso. Por mim acho tolice.. O negócio é a livre iniciativa.
REGINA: Morrem milhares de crianças no nordeste. No sul a mesma coisa. Você pode ver criança morrendo? Eu não. Mas também nao sou desses complexados. Eu tenho um amigo comunista...
AMIGO: Você tá fogo, hein?
REGINA: Não gosto de ver ele falar. Fica histérico, complexado, a gente precisa ser realista. Falar uma linguagem que todo mundo entenda. Mas também não ser violento.
AMIGO: Eu tenho uns amigos que também são de esquerda. O primo do Julinho foi genial – distribuiu ações entre os operários da fabrica dele.
REGINA: Isso eu acho que é ser de esquerda.
AMIGO: Vem cá... verdade que você vai casar?
REGINA (enbaraçada): Talvez... Ele me pediu...
AMIGO: Quem é?
REGINA: Voce nao conhece não.
AMIGO (sorrindo): De esquerda?
REGINA: De esquerdíssima!
AMIGO: Mas vai casar... por que... você...
REGINA: Ihhh, deixa de embromação... Não estou grávida não...
AMIGO: Vai deixar de sair, essa coisa toda?
REGINA: Não quero ser burguesinha!
AMIGO: Como é isso?
REGINA: Pra mim as pessoas são granfinas, burguesas ou povo. Os granfinos são melhores que os burgueses.

26. Fim do Posto Seis. TV RIO. Artistas naquele barzinho perto. Uma porção de gente tomando cerveja. Muitos ainda na praia. Os pescadores. O viado intelectualizado. Discussão sobre moral. É claro que deve ser escolhido um sujeito que defenda teses amorais.

27. Volta ao Miramar. Deve ser contado a Regina o que o viadinho disse. Abre com o amigo perguntando:
AMIGO: Que é que você acha disso?
REGINA: Eu antes tinha medo de pensar em certas regras morais. Eu tinha medo de ser burguesinha. Em sexo, por exemplo. Um dos meus primeiros namorados era fabuloso. Eu amava muito ele. Ele me dominava, porque era inteligente e culto. Aprendi muito com ele. Aí um dia descobri, depois de quase cinco meses que ele era homossexual. Que é que eu podia pensar disso? Um homem preferia a outro em vez de mim...
AMIGO: Que é que você acha disso?
REGINA: Eu antes tinha mais pavor de pensar. Eu ia aos bares, às festas, proourava não pensar. Sabe quando era que eu pensava? Quando eu amava demais. Eu fazia amor com quem tinha amor. Eu nunca fiz por prazer puro. Precisa ser assim, sabe? Mas eu pensava em horas estranhas também. Eu sempre quis ter um filho. Nessas horas, quando eu estava querendo, eu pensava. Fugia fingindo gravidez. É engraçado, eu amarrava um travesseiro na barriga, botava um vestido por cima. Fechava a porta do meu quarto, botava música na vitrola e imitava todos os gestos de mulher grávida. Depois morria de vergonha. Eu não era mais criança... Fazia isso há bem pouco tampo...
AMIGO: E agora, o que é que você acha disso?
REGINA: Você não entende.. As pessoas olham para gente com ar de conquista. Não são só os homens não. As mulheres também. Ninguém se aproxima dos outros porque gosta dos outros. Se aproximam para conquistar. Quanto mais gente ao meu lado eu me sinto melhor. Mas eu tenho medo, muito medo. Por isso que eu sou tão agressiva. Hoje eu estou pensando mais. Mas penso diferente, com calma. Você entende?
AMIGO: Eu ontem ouvi uma historia genial. Tem que ser contada em inglês, com mise-en-scène do John Ford...

Daqui por diante as palavras do Amigo vêm off a cada vez mais longínquas. Entra música. Close ou closes de Regina, que a princípio se decepciona pela distância do amigo. Depois ela começa a rir da anedota e por fim, se distrai olhando só o pôr do sol, a gente lá embaixo passando. Triste, muito triste.

AMIGO (off): O cenário é uma aldeia mexicana, abaixo do Rio Grande. Uma aldeia calma e pacífica. Os homens fazem a siesta e as mulheres enxugam os pratos. Tudo parado, um tremendo sol. De repente, com sotaque, entra um homem correndo. "See everybody, atteiton! Chico Bandido is coming... Chico Bandido is coming to the town. Help, help!" Em breve a cidade está em polvorosa. Todo mundo se levanta, se esconde. Os homens tomam seus cavalos e fogem, as mulheres se escondem com as crianças. A cidade é um inferno em fuga. De todo o lado se ouve: "Help! It’s Chico Bandido coming! I am going to hide myself! Everybody hide!" Quase todos tinham fugido quando o homem avistou Pedro, sentado na porta do bar, calmamente, se balançando na cadeira, sombrero caído nos olhos continuando sua siesta. O homem se admirou e se aproximou dele: "Pedro! Don’t you know the news? Chico Bandido is coming, coming to the town". "I know, I know, man". "But, señor, you aren’t afraid? Chico Bandido is bad, is very bad!" "I am not afraid because I am fxiend of Chcio Bandido!" "You? How it’s possible? You are a good man and Chico Bandido its a outlaw" "Once upon a time I was travelling by the desert when Chico Bandido appear" "Oh! And then..." "Then my mule was so too afraid that make some sheets on the road." "Chico Bandido come and said to me: You, eat the sheets" "And You?" "What could I do? He was with a gun to my nose. I ate" "Oh" "But he was not atented and a take out his gun and appointed to him" "And then" "I said: "Now, Chico Bandido, you eat the sheets". "And he ate?" "Sure!" ‘Weell, but you ate the sheets, he ate the sheets, how can you two be friend?" "We have lunched together"... Não é boa? Quem me contou essa foi o Mielli...

28. Noite. Portas dos cinemas cheias. Gente entrando. Um filme pornográfico ou de fama tal está sendo anunciado. O desportista entra com a namorada.

29. Missa do forte. Sermão do padre. Pedir para, nesse dia, ele fazer um sermão sobre a moral.

30. Regina, num desses edifícios em construção, pergunta coisas ao corretor. Isso em diversos edifícios.

31. Inquérito com moradores de quarto e sala conjugados.

32. Visão do Pavãozinho e seus barracos.

33. Entrevista com um político do esquerda conseqüente dizendo ou respondendo a pergunta o que é ser de esquerda, numa espécie de comentário às palavras de Regina no Miramar.

34. Regina caminha pela praia. Noite. Prostitutas em frente ao Copacabana Palace e carros parando para a paquera. Passa um carro bacana. Lilian e o play-boy noturno do Alcazar. Chamam Regina. Ela sorri e vai.

35. Os três jantando no Fiorentina.
LILIAN: Chama ele e vai conosco.
PLAY-BOY: Vai ser bom...
REGINA: Não sei...
LILIAN: IHHH, você está A chata.
REGINA: Que é isso!
PLAY-BOY: Deixa de frescura. Chama ele e vamos embora.. Eu quero mesmo conhecer o pinta.

36. Regina no telefone.
REGINA: Ele ligou? Então deixa o recado aí com alguém. Se ele ligar diz para ir nesse endereço...

37. Festa. Lilian, o Play-boy e Regina estão presentes.. Tremenda festa "bem".

38. Galeria Alaska. O viadinho passando.

39. Bar Bico. O marginal tomando café.

40. Rond-Point. O jornalista entrando com o sociólogo.

41. Zunzun. O político entrando.

42. A mãe do desportista fechando a janela, com a cabeça toda encaracolada de papeizinhos.

43. Batida da Rádio Patrulha nas prostitutas. O policial dentro dela.

44. Gente fazendo samba no morro do Pavãozinho.

45. Festa. Regina passeia marcianamente entre os convidados. Por fora. Fora do ar. Todos se divertem muito. São todos jovens. Regina fala baixinho.
REGINA: Importante a gente ser jovem. Importante a gente não Não se comprometer com nada. A gente amar é como se nada tivesse importância em separado... Só quando está tudo junto.
LILIAN: (passando rapido): Cadê ele?
REGINA: Não pôde vir. Está muito ocupado hoje.
Regina continua a andar, chega na varanda. Noite.

46. Regina caminhando na rua. Ninguém. Passa um cara assobiando. Anda devagar, pensando, jogando as pernas. Entra no seu edificio.

47. Madrugada. Num banco da praia, José Carlos de Oliveira, que apresentou Copacabana, conversa com Regina. Conversa curta, de poucas falas, em que JCO deve falar de coisas relacionadas à poesia de Copacabana.

48. Inquerito dos autores com Regina, no clube dos Marinbás.

49. Longo travelling da Av. Copacabana com a última fala dos autores.

FIM