Retrato de Classe, de Gregório Bacic
Brasil, 1977

Divertida crônica-painel da classe média paulistana nos anos 70, a partir de uma premissa simples mas eficaz: uma reunião de turma do primário, 20 anos depois.

A partir dessa situação criada, os ex-alunos são relembrados pela professora e localizados numa típica foto de classe. Um a um, os rostos vão ganhando nomes e previsões, a professora tenta adivinhar (como um narrador off subjetivado) os caminhos prováveis de cada um de seus alunos: "Esse deve ter se dado bem, era estudioso...essa menina não tinha muita capacidade..."

Depois de uma longa seqüência percorrendo os rostos da fotografia, começamos a redescobrir aqueles personagens em suas vidas adultas e é aí que a habilidade de Bacic faz de Retratos um dos melhores documentários já realizados no país:

Começamos pelo jovem empresário de sucesso que desistiu do sonho de ser jogador de futebol ("cheguei a jogar profissionalmente") para seguir na empresa da família. Passamos pela "promissora aluna" que se tornara uma feliz dona-de-casa: "nasci para ser mãe". Encontramos a vendedora de carnês que sonhava ser atriz...Chegamos à menina pobre e "sem grandes possibilidades" que se tornou empregada doméstica.

Os personagens são apresentados em depoimentos diretos de seus ambientes, suas salas de jantar, seu jardim: a genialidade de Bacic está justamente no modo com que consegue empregar um olhar crítico sobre aquelas personagens sem reduzi-los a generalizações conclusivas. Na melhor das ironias, Bacic descobre o quê seria impossível que qualquer tese socialmente engajada previsse: o "melhor aluno" da classe e o "pior aluno" da classe haviam crescido e se tornado ambos... vendedores.

Esse tipo de surpresa, colhida por Bacic e transformada em sutis cartelas abaixo dos personagens, é que faz do filme, uma obra atual e essencial nessa retomada do olhar cinematográfico sobre a classe média (consenso entre os diretores da época, Retrato deve ter, com certeza, influenciado o novo e esperado filme de Eduardo Coutinho, Edifício Master, rodado em Copacabana).

Assim, o off da professora é utilizado como o narrador que tenta adivinhar o presente, e é no choque entre essas análises premonitórias e a vida atual de seus alunos que está o olhar de Bacic. Retrato, dessa forma, não se abstém de colocar seus comentários sobre aquelas imagens, mas faz isso de modo a expandir os sentidos possíveis da vida cotidiana. A classe média esboçada em seus anseios e frustrações, em suas pequenas vitórias pessoais, em suas saudades...O reencontro com a professora, os dois irmãos que voltam à escola demolida e lembram de como fugiam na hora do recreio.

Para além dos julgamentos, para além das respostas unívocas - Bacic dá ao público (principalmente o de classe média) a possibilidade de se olhar e refletir. Traz à luz, ao palco das atrações, um cotidiano pacato e curioso, uma crônica de costumes carinhosa mas mordaz sobre os sonhos e a vida daquelas pessoas.

Um filme especial desde a escolha do objeto (classe média), passando por um recorte preciso (turma de primário), chegando ao olhar irônico mas nunca moralista com que Bacic observa, pergunta e monta seu filme.

Um exercício de liberdade do olhar e de precisão narrativa. Uma obra-prima de nosso cinema...e de nossa TV.


Felipe Bragança