Elaboração de Mostra

Como funcionário do Patrimônio Histórico e braço direito do Cinema Novo em suas relações com o exterior, David Neves ficou encarregado de organizar uma Mostra de Cinema Brasileiro em Gênova, em janeiro de 1965, através do centro genovês Columbianum. A mostra tentaria dar conta do cinema novo e de seu passado recente. (RG)

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A mostra pretende funcionar como um espelho da evolução do cinema brasileiro que se processou, segundo as palavras de Adhemar Gonzaga, através de vários nascimentos. Nossa intenção, ao organizar o programa da Mostra, foi a de procurar reproduzir o espírito de cada fase, dentro das possibilidades que a dificuldade de obtenção de cópias permitia. Nossa meta principal foi a organicidade e para isso fomos levados a optar também pela seleção de trechos de filmes uma vez que era preciso conciliar os títulos com as épocas...

Que importância teria essa "Mostra"? Muitas. A primeira, ao nosso ver, seria a de explicar o novo surto dentro do cinema brasileiro que hoje impressiona o mundo, de norte a sul, de Tóquio ao Vaticano (cf. a edição de 9 de agosto p.p do Osservatore Romano).

Outra importância, a de revelar, de certa forma, um estilo brasileiro de cinema. Ver-se-á, por exemplo, que o lado derrogatório das comédias musicais teve sua importância e sua utilidade. Assim, bastará que se acompanhe a linha estilística que, partindo de Alô Alô Carnaval e passando por Carnaval no Fogo, chega a Boca de Ouro, de Nelson Pereira dos Santos, atravessando um ou outro episódio de Rio Quarenta Graus.

A Mostra progridirá, assim, entre as tradições e – o que é muito importante nas cinematografias incipientes – as surpresas que volta e meia sacodem a passividade e o conformismo. Infelizmente não pudemos ter Limite, de Mario Peixoto e seu charme parece que mais uma vez se ampliará pela ausência. Temos, entretanto, Ganga Bruta, pelo qual Humberto Mauro foi acusado de "Freud de Cascadura", mas cujo intimismo e originalidade são ambos dignos de toda a atenção.

Já falamos de Alô Alô Carnaval, mas devemos ressaltar agora que se trata de um dos pioneiros do gênero. E teremos, bem mais tarde, O Cangaceiro, outro súbito renascimento, de morte precoce (o triste desaparecimento da Cia. Cinematográfica Vera Cruz).

Rio Quarenta Graus também já foi mencionado e é outro surto solitário. Nelson Pereira dos Santos, um obstinado, fez ainda Rio Zona Norte e produziu O Grande Momento. (A falta de apoio oficial e a ausência de estruturas econômicas sólidas não permitiram que a experiência desses batalhadores fosse avante).

O novo e último momento parece ter vingado. E sua representação na Mostra se apresenta primeiro pela antologia final (O Homem do Sputnik, Garganta do Diabo, Os Cafajestes, Boca de Ouro e Vidas Secas) e, logo depois, por uma estréia representativa.

David E. Neves