Van Gogh, obra arte de um gênio, de Robert Altman

Vincent and Theo, 1990

Os anos 80 foram para Robert Altman, ao menos sob o ponto de vista artístico, um longo inferno astral. Após passar toda a década de setenta como um cineasta respeitado, lançando filmes de repercussão, mesmo sem grandes bilheterias, o fracasso de público e crítica de Popeye (1980), um projeto de grande orçamento, parece lançar seu nome numa espécie de limbo. Pelos 10 anos que se seguiram, Altman só realiza filmes de pequeno porte e produções independentes, dentre as quais apenas uma delas, O exército inútil, de 1983, parece fazer juz a seu trabalho anterior. Renegado em seu país, é na Europa que ele encontra oportunidade para finalmente desenvolver um projeto ambicioso: uma produção internacional (França, Inglaterra) para TV ilustrando o relacionamento entre o pintor holandês Vincent Van Gogh e seu irmão Theo, um marchand que sustentou o artista praticamente por toda a vida. Com o desenrolar dos fatos, o projeto muda de rumo, tornando-se uma produção para cinema, e tem sua duração reduzida para 2h e 15 min.

A narrativa acompanha em paralelo as vidas dos dois irmãos. Enquanto Vincent leva uma existência praticamente miserável, estudando e concebendo sua obra em situações de extrema penúria, a vida de Theo não é também nenhum mar de rosas. Apesar de estar envolvido no meio glamoroso do mercado de obras de arte na Paris do final do século XIX, sente-se igualmente frustrado, sendo explorado e mal remunerado por donos de galerias, além de sofrer de sífilis, o que praticamente inviabiliza sua vida amorosa. O fato de não conseguir ajudar o irmão com outra coisa além de uma mesada ou não comercializar sua obra traz a ele insatisfação e sofrimento. Vincent e Theo são mostrados como duas figuras complementares, apesar de suas profundas diferenças. Um não existe sem o outro, tanto que Theo sobrevive apenas um ano após a morte do irmão.

A primeira hora de filme, durante as quais os personagens são delineados é bastante interessante, mas a partir de um certo momento, o filme não consegue fugir de um certo tédio. Mesmo com a direção sempre cuidadosa e meticulosa de Robert Altman, o que inclui enquadramentos bem planejados, a utilização de locações que Vincent utilizou como cenários para seus quadros e uma fotografia (assinada por Jean Lepine) que consegue reproduzir a luz e o clima das pinturas do mestre, o diretor se ressente da ausência de elementos essencialmente norte-americanos, uma característica fundamental em sua obra, e parece não se sentir à vontade, fazendo com que isso transpareça ao espectador. A parte final, que mostra os últimos dias de Vincent, sobre os cuidados do Dr. Gachet, fica devendo bastante, quando lembramos da bela produção francesa Van Gogh, de Maurice Pialat (1991), que retrata o mesmo período.

Apesar de uma abordagem bastante realista, o filme de Altman também fica perdendo quando comparado a Sede de viver (1956), que apesar das limitações inerentes às biografias romanceadas de Hollywood, mantém uma lembrança perene em quem assiste, seja pela interpretação fantástica de Kirk Douglas, seja pela direção inspirada de Vincent Minelli. Apesar de tudo, Vincent e Theo é uma obra que apresenta qualidades, principalmente nos momentos em que pretende abordar a questão "criação artística X mercado", o que fica patente ao lembrarmos que as primeiras imagens da fita mostram um leilão no qual uma pintura de Vincent é vendida por cifras milionárias, seguidas por uma representação do artista, que não vendeu sequer um trabalho em vida, em um quarto miserável. Sob este viés, Robert Altman parece se identificar com a situação de criador incompreendido e desvalorizado na qual se encontrava quando da realização do filme. Quadro que felizmente se inverteu a partir de seu trabalho seguinte, o genial O jogador, de 1992.

Gilberto Silva Jr.