Quinteto,
de Robert Altman

Quintet,
EUA, 1979
Tudo em Quinteto
parece se adequar perfeitamente, ou pelo menos margear uma só palavra:
bizarro. Sim, porque não só é estranha a aventura
de Altman por uma mistura de ficção científica com
filme B com ensaio filosófico, como é especialmente perturbador
ver que ele não chega a completar nenhum destes caminhos, deixando
o filme flutuando num clima dos mais difíceis de categorizar. É
bem notado que a fase de Altman pós-1979 e que atravessa quase
todos os anos 80 é cheia de filme assim, estranhos, que não
se completam ou não parecem adequados a nenhum público em
especial, mas talvez Quinteto seja aquele mais radicalmente assim.
Começando pela
ambientação num futuro sem muitas referências onde
tudo que ficamos sabendo é aquilo que vemos: muita neve, cidades
arrasadas e desorganizadas, pessoas perambulando, cachorros que comem
cadáveres no meio da rua como urubus. No meio disso tudo Paul Newman
aparece com uma jovem, caminhando em busca de algo que não sabemos
o que é. A imagem também causa estranheza, pois há
uma leve moldura sem foco definido que dá ao filme a sensação
de um sonho, de uma lembrança, embora nunca seja caraterizado como
tal em relação a algum personagem.
A narrativa, uma vez
que se desenvolva, é mais estranha ainda. Mistura um jogo sobre
o qual só vamos descobrir mais detalhes depois, e uma série
de personagens que parecem quase escapar entre os dedos. Em nenhum momento
Altman estabelece qualquer sensação de simpatia ou antipatia
mais forte por nenhum deles, pelo contrário, o clima reinante no
filme é de frieza. Não só o frio dos ambientes, mas
um distanciamento forçado entre o espectador e aquilo que assiste
sem conseguir se identificar. A trama do filme, se levada ao pé
da letra, se adequaria muito mais a um filme B, que nas mãos de
um John Carpenter, por exemplo, poderia ser clássico. Mas, Altman
mistura sua ambiência, personagens e narrativa baratos com um tom
estranhamente sério, quase filosófico. Com implicações
sobre a natureza do ser humano, sua relação com Deus, etc.
Mas que também não se pense que esta opção
quase Bergmaniana se completa, pois também apenas passa pelo filme.
Dentro deste quadro,
o final é igualmente surpreendente e coerente. Duro, frio, francamente
pessimista quanto à natureza humana, reduzida ao seu mais animalesco
(na verdade há alguns paralelos atuais interessantes entre o jogo
do filme e os reality show da linha No Limite). O filme
não propõe qualquer idéia de redenção,
muito pelo contrário, e nos deixa mais e mais confusos com o que
acabamos de assistir.
Talvez seja isso tudo
que, completando o quadro de estranhezas, empreste uma inesperada atração
ao filme. De tão difícil de classificar, de tão fora
das normas da realização em geral, de tão adoravelmente
equivocado em suas tentativas de gênero, Quinteto se torna
um daqueles deliciosos filmes "errados" de autores, fadado a ser esquecido,
mas ainda assim necessária parte da carreira dele. Certamente o
olhar irônico e crítico de Altman está representado
em cada fotograma aqui, mas transitando por caminhos completamente distantes
do seu mais conhecido.
Eduardo Valente
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