Oeste
selvagem , de Robert Altman
Buffallo
Bill and the indians or Sitting Bull's history lessons, 1976
Uma das frases mais
marcantes de toda a história dos westerns está em O homem
que matou o facínora de John Ford :"Quando a lenda supera
a realidade, imprime-se a lenda". A mitologia dos desbravadores das
fronteiras durante a ocupação do território americano
correu mundo através do cinema, mas antes disso foi popularizada
no imaginário dos EUA, sob a forma de histórias contadas
por escritores, jornalistas ou mesmo espertalhões (lembrem-se do
personagem interpretado por Saul Rubineck em Os imperdoáveis).
Uma das figuras emblemáticas desta mitologia é William F.
Cody, conhecido sob a alcunha de Buffalo Bill, notório caçador
e matador de índios, que serviu de personagem a diversos filmes.
A real dimensão de seus feitos é incerta, mas no filme em
questão, a segunda incursão de Robert Altman pelo universo
do velho oeste (a primeira foi McCabe & Mrs. Miller, de 1971),
Bill (Paul Newman) não passa de uma farsa, divulgada por um "criador
de lendas" (Burt Lancaster) e que ainda em vida explorou sua própria
popularidade. É óbvio que não poderíamos esperar
de Altman, um artista com uma visão extremamente crítica
e iconoclasta, um retrato puramente heróico do personagem
O filme se passa em
1885, quando se aproxima a virada para o século XX e já
começa a não mais existir espaço para o caubói
desbravador e a lei da pistola que fala mais forte, o que foi também
o tema de outro excelente trabalho lançado no mesmo ano, O último
pistoleiro de Don Siegel. Mas já se organizava a sociedade
americana de consumo, e as histórias do oeste configuravam um produto
já bastante divulgado e consumido. Então vemos Buffalo Bill
como o principal nome de um espetáculo circense que, antecipando
o que o cinema viria a fazer anos depois, encena e glorifica os feitos
de vaqueiros e colonos, triunfando sobre o território inóspito
e os índios belicosos, utilizando-se inclusive de figuras reais,
como a atiradora Annie Oakley (Geraldine Chaplin). A ação
se concentra no momento em que o circo recebe sua mais nova atração:
o chefe Touro Sentado, responsável pelo massacre sofrido pelas
tropas do general Custer.
Sua figura pouco parece
contribuir para o desenvolvimento do espetáculo: o cacique é
velho, baixinho, não fala inglês e sua primeira apresentação
é marcada por vaias. Mas, ao mesmo tempo, sua perspicácia
e sabedoria desconcertam Bill e toda a sua trupe. Claro que os brancos
tentam explorar os índios à sua maneira, mas Touro Sentado,
sempre acompanhado por um intérprete mestiço (Will Sampson),
demonstra uma dignidade sem igual entre Bill e equipe, tendo se juntado
ao show apenas por causa de um sonho onde vislumbrara a oportunidade de
levar os anseios de seu povo ao presidente americano. Buffalo Bill e seus
empresários (Kevin McCarthy e Joel Grey) praticamente perdem o
controle sobre quase tudo em seu circo, que também antecipa o que
viriam a ser os parques temáticos.
Altman imprime um
clima de ironia que é plenamente captado pelo elenco. O Buffalo
Bill de Newman é orgulhoso, autoritário, mas igualmente
incompetente e impotente. Oeste selvagem não é somente
um retrato sarcástico do velho oeste e seus personagens, mas ,como
em quase toda a obra de seu diretor, da sociedade dos EUA como um todo.
Composta por um bando de trouxas que adora ser enganado e acredita nas
baboseiras que lhes são impostas, consome o que lhes é empurrado
e que adora manifestações presepeiras, cheias de fanfarras
e bandeirinhas, como já ficara caracterizado no filme anterior
(Nashville, 1975). E que também não consegue engolir
quando esta realidade é contestada. Daí o fracasso de público
e crítica do filme quando de seu lançamento, justamente
no ano do bicentenário da independência americana, prato
cheio para patriotadas.
Seria oportuno um
relançamento em VHS e DVD deste interessante mas pouco conhecido
trabalho de Robert Altman, uma vez que as cópias disponíveis
em vídeo foram editadas pela extinta Tec Home Video ainda na década
de 80. Além disso, o filme não é apresentado na íntegra,
pois apesar da embalagem anunciar 120 minutos de duração
(guias de filme citam 125 minutos), temos uma metragem de apenas 1 hora
e 40.
Gilberto Silva Jr
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