Fitas do sótão - Tomo 2


Bava em vídeo no Brasil

O gênio de Mario Bava só está começando a ser reconhecido à altura agora, 22 anos depois de sua morte. Após anos e anos de fitas lançadas por marcas obscuras, cortadas, com a composição atorada pelos limites do ‘full screen’ e com capas que mais assustavam que interessavam os possíveis compradores. Nos últimos anos, com a efervescência provocada pelos lançamentos em DVD, as maiores qualidades deste grande diretor e cinegrafista italiano estão começando a ser redescobertas por um novo público: os enquadramentos impecáveis, a capacidade de contar a história visualmente, o poder de imagens que parecem saídas de um quadro. Como uma boa parte dos filmes de Bava devem sair em DVD no Brasil em breve, vai acabar a desculpa de quem não reverencia o mestre por não localizar seus filmes nas locadoras...

Mas... e quem quiser ir se preparando para estes lançamentos? Existem três (ou quatro, dependendo da contagem) filmes dele lançados em vídeo no Brasil, que ainda podem ser localizados em locadoras que ainda não jogaram fora seu acervo antigo.

‘O Planeta das Vampiros’ (Terrore nello spazio/ Planet of the Vampires, 1965) é uma das obras mais memoráveis deste mestre do horror italiano. Conta a história de astronautas que descem em um planeta hostil para averiguar o que aconteceu com outra nave que caiu por ali, e são atacados por uma estranha forma de vida. Lembra alguma coisa? 14 anos depois o roteirista Dan O’bannon misturou o roteiro deste filme com ‘Planet of Blood’, de Peter Bogdanovic, e deu origem a ‘Alien’...

O elenco, capitaneado por Barry Andrews, inclui a ‘nossa’ Norma Bengell, linda como sempre em um uniforme apertadinho que é uma graça (uma pena que seus belos cabelos ruivos ficam quase todo o filme cobertos por um capacete). Por mais que o filme tenha um ritmo relativamente lento para os padrões contemporâneos, essa obra tem muito a oferecer: muito clima e tensão, uma storyline movimentada e repleta de acontecimentos e um dos finais mais sádicos jamais propostos pelo gênero. Tudo isso em cenários que haviam sobrado dos vários épicos italianos que eram rodados ali por Cinecittá, e um par de miniaturas bastante convincentes.

A fita brasileira, lançada pela 20/20 Vision (subsidiária da Columbia na época) é aceitável, com algumas ressalvas: não contém as cenas a mais descobertas quando da masterização do filme em DVD pela MGM (ou seja, pode ser exibido pelo Telecine assim que eles perceberem que tem direito a este filme, ou mesmo sair em DVD nacional quando a distribuidora acordar), e tem uma trilha sonora modificada em relação à original (que foi restaurada nesta ‘nova’ versão). Explico: quando um pacote de filmes europeus foi lançado em vídeo pela Orion nos EUA no início dos anos 80, complicações com os direitos autorais forçaram a produtora a re-sonorizálos com o músico de new wave Kendall Schmidt. Ao contrário dos outros filmes do pacote (mais notadamente o genial ‘The Conqueror Worm’, exibido pelo canal MGM sob o ridículo título ‘A Minhoca Conquistadora’), aqui a trilha nova, de sintetizador, funcionou melhor em vários aspectos que a antiga, de ‘library tracks’ (músicas genéricas em domínio público).

‘Banho de Sangue/ O Banquete da Morte’ (dependendo de qual fita você achar, ambas saíram em momentos diferentes pela Century Video) é outra história. Rodado em 1971, logo após o discreto em termos de violência ‘Five dolls on the August Moon’, faz jus ao título da primeira fita: é um dos filmes mais sádicos de sua época. Conta a história de um bando de banhistas que vai sendo assassinado aos poucos por um serial killer com gosto por facas e machados. Lembra algo? Claro: o segundo filme da série ‘Sexta-Feira 13’ refez praticamente todos os assassnatos. E Sean Churnighan negou ter visto o filme de Bava, apesar de tê-lo distribuído nos EUA... só faltou copiar a conclusão, que culpa a ganância (ou seja, o capitalismo) pelos crimes. E, claro, todo o talento de Bava como diretor e cinegrafista (para ver como as coisas devias estar apertadas em termos de grana por aqui), mais a belíssima música de Stelvio Cipriani, que contrapõe os brutais assassinatos com delicados temas de piano e momentos de atonalismo... eu só vi o primeiro lançamento (Banho de Sangue). Tem uma capa horrorosa, desenhada, e um texto que dá a entender que se trata de uma imitação de ‘Sexta-feira 13’... a fita, além de ter uma paleta de cores limitada (puxando os tons de pele para bege), conta com legendas amarelas pequenas e cheias de erros de português. Mas serve para quem quiser conhecer esse filme antes de seu lançamento em DVD.

‘Roy Colt & Winchester Jack’ é um western spaghetti dirigido por Bava em 1970. Saiu aqui pela América Video, no mesmo pacote do sensacional ‘O Preço do Poder’, de Tonino Valerii. É considerado um filme menos pelos Bavistas, eu incluído, por ser uma ‘comédia western’ feita um pouco antes dos filmes de Trinity virarem moda. Eu vi o filme há alguns anos, na época não achei muita graça, mas hoje em dia está merecendo uma revisão. A fita foi lançada por aqui em italiano (com legendas, claro), permanece inédita nos EUA e em boa parte do mundo, então o filme pode ser útil para escambos diversos...

Para quem quer conhecer o Mario Bava diretor de fotografia, mais que recomendável é ‘Hercules’, o original de 1957, com Steve Reeves, Sylvia Koscinna e Gianna Maria Canale. O filme, que iniciou o ciclo de épicos italianos do final dos anos 50, tem crédito de ‘técnico de efeitos especiais e direção de fotografia’ para Bava. Comenta-se também que ele teria dirigido uma boa parte do mesmo, enquanto o diretor creditado, Pietro Francisci, ficava tomando seus pileques pelos cantos do estúdio... esse belíssimo filme foi lançado no Brasil pela Crival Video com dois ‘pequenos’ defeitos: diminui a dimensão do Cinemascope para tela cheia, cortando metade da imagem, e só saiu em fita dublada. Para piorar a situação, os dubladores contratados estão entre os mais incompetentes já vistos por aqui. Além de não ter nenhuma variação ou diferença de inflexão, ainda têm um irritante sotaque caipira (Oh Hewrcules, o que ocê pwretende fazewr agowra). É uma das duas piores dublagens nacionais que eu já vi (a outra é a de ‘A Máscara de Fu manchu’ que foi exibida na TNT, aonde colocaram um gurizinho para fazer a voz de Boris Karloff).

Carlos Thomaz Albornoz