Editorial



Helena Ignez e Rogério Sganzerla

E o sucesso se fez, quando menos se esperava. A mostra Cinema Marginal e Suas Fronteiras, um sucesso apenas restrito em sua edição de São Paulo, conheceu um verdadeiro triunfo em sua versão carioca. O evento foi maior, mais organizado (graças às instalacões melhores do Centro Cultural do Rio) e melhor estruturado do que sua primeira edição. Os jornais acompanharam, e divulgaram com bom espaço. Mas o que escreveram foi a média do que se vê publicado, chegando a extremos de ignorância: dizer que os filmes não são adequados a quem tem "refinamento estético" nos mostrou que Eros, em matéria de crítica de cinema, tem muito mais a ver com erosão ou zeros do que com o deus grego do amor. E sem amor não há cinema, ou crítica.

Seja como for, o que importa é que uma afluência impressionante tomou o CCBB do Rio de Janeiro para ver & curtir filmes que ninguém em sã consciência jamais acreditaria fazer uma segunda carreira, com mais sucesso, hoje: Perdidos e Malditos de Geraldo Veloso, Aopção de Ozualdo Candeias ou A Mulher de Todos de Rogério Sganzerla ganharam admiradores para a eternidade. Ao contrário do evento paulista, que só recebia a "família" (críticos, realizadores, técnicos, pesquisadores...), a versão carioca recebeu um público laico, com pequena maioria de estudantes de cinema (infelizmente, os cineastas cariocas não vão ao cinema...) - mérito para a UFF, que com seu curso de cinema vem conseguindo criar uma geração de cinéfilos e apaixonados, contra os pretensos profissionalismo e especialização defendidos pela graduação das faculdades de São Paulo. Impressionada com o acontecimento e aproveitando o interesse criado com a mostra, Contracampo volta mais uma vez seus olhos para esse universo de cinema que já tomou uma edição inteira além de tudo que já foi pauta da revista (Ozualdo Candeias, Carlos Reichenbach). Desta vez, nos ativemos a figuras muito pouco tratadas quando se fala de cinema marginal, udigrudi e afins: o ator. Livre para desenvolverem seus personagens sem as onipresentes obrigações do realismo e da psicologia teatral, a atuação nos filmes marginais ganha uma significação completamente nova no cinema brasileiro, às vezes criando uma verdadeira revolução do ponto de vista do despojamento e da relação com a câmera - graças inclusive a atores excelentes, que são um marco para o cinema brasileiro e se tornaram algo como ícones do período: Paulo Villaça, Maria Gladys, Paulo Cesar Pereio. Complementando nossa cobertura da mostra, trazemos dois pequenos documentos saídos à época do lançamento comercial de A Mulher de Todos, rechaçado quando de seu lançamento (começo de 1970) pela crítica careta e burguesóide quanto pelos ferrenhos apologistas do cinema novo (Alex Viany, defensor do filme, foi uma exceção): um texto de Rogério Sganzerla que abria a sessão "Filme em Questão" do Jornal do Brasil e uma curiosidade jurássica: o press-release do filme, com comentários do diretor e sua relação com Helena Ignez, além de hilárias "frases para a imprensa".

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Como falar de filmes? Pior: como falar de filmes dos quais já se falou tudo? Como falar de filmes que nos tocaram para além de qualquer estudo, que fizeram parte decisiva de nosso percurso pessoal, filmes que não poderiam sem uma certa dose de hipocrisia serem comentados senão na primeira pessoa? Contracampo faz esse mês A Primeira Vez Que Me Apaixonei, uma espécie de estudo regressivo, de cinepsicanálise para tentar dar conta de uma dimensão que a crítica cotidiana de cinema, com pretensões à objetividade, muito comumente esquece: a de simples amante de cinema, de pessoa que se deixa afetar por um universo que se tornará seu pelo resto da vida. Completa a revista a primeira parte da cobertura dedicada ao festival de documentários É Tudo Verdade, com textos sobre Johan van der Keuken e Frederick Wiseman. Em maio tem mais.

Boa leitura.

Ruy Gardnier

 

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