Da eternidade

Um último retrato – Van der Keuken – Parte 2

De Agora em Diante (Holanda, 2002) é um fragmento. De muita coisa. Um fragmento do que se anunciava como mais um longa-metragem de Johan Van der Keuken mas que ficou assim, daquele jeito ali, resumido às reticências na sala de montagem... Um filme menor – uma simples homenagem póstuma? Um sinal.

De Agora em Diante não é um fragmento como outro qualquer, de qualquer outro cineasta...Pois nenhum outro documentarista foi tão filho e pai dos fragmentos do que Keuken.

Seu modo de olhar o mundo, sempre aos pedaços, seu modo de colher rostos e vozes, seu jeito de se descobrir nos objetos. Se um grande cineasta como Frederick Wiseman se ergue de orgulho ao dizer que "não faz cinema para fazer amigos...", Johan Van der Keuken é justamente o fruto de seu cinema, de sua subjetividade fluida a se enroscar nas coisas e nas pessoas...

Grandes gestos de afeto, os filmes de Keuken se confundem com seu próprio corpo e é por isso que para ele, como para poucos, um filme póstumo pareça tão real. Tão imprescindível. Como pensar na morte de Keuken sem um gesto cinematográfico de despedida?...

Pequena homenagem a amigos e conhecidos, esse pequeno filme é o movimento final de uma vida intensa de cinema. As histórias de seus personagens se intercalam como que reunidos no grande hall dos olhares de Keuken. Apesar de filmados em diferentes partes do mundo, todos parecem estar ali, partilhando do mesmo espaço vivo em que se cruzam. No corpo do filme.

Um cinema de amizades. De partilha.

Além das metáforas. Além da poesia. Além do cinema... Dentro da vida. Fotograma sanguíneo. Não há filme para Keuken que não seja sua projeção para um espaço além, que não seja a descoberta de si nos fragmentos do mundo.

Partindo dos olhos silenciosos de um bebê, passando pela mulher que espera seu marido desaparecido, De Agora em Diante chega à voz de Claude, sentado num restaurante movimentado, revirando os olhos e fumando nervosamente.

No início receoso, aos poucos o homem começa a contar, titubeante, sua pequena história. A perda inesperada de uma namorada, vítima do câncer.

"Ser radicalmente privado de uma pessoa é devastador."

Keuken permanece em segredo (não havia contado a ninguém de sua doença...).

Daí, o que se vê é o silêncio. Um mar eterno de indas e vindas, eternizado a contemplar aqueles rostos. Não o melhor dos mares, o mais bem fotografado, mas aquele ali, que esteve diante de seus olhos num dia como tantos os outros.

Um bebê que apenas observa. Os rostos que se entreolham.

A cartela final: "Johan Van der Keuken / 2001", traz a quietude inevitável de um olhar que se esvai e se mistura à paisagem.

* * *

Obra incompleta, corpo incompleto... filme sem fim.

Por que, definitivamente, não era da completude que Keuken falava.

Felipe Bragança

ps: De Agora em Diante está disponível no site oficial do diretor www.johanvanderkeuken.com até que os primeiros 1000 internautas o acessem...o contador já estava em 735...