Além
da Terapia, de Robert Altman

Beyond
Therapy, EUA, 1986
Além da
Terapia se encaixa facilmente em uma série de linhagens dentro
da obra de Altman. Vemos nele a tentativa de capturar um universo, no
caso o da psicanálise, como vimos o da moda em Pret-à-Porter,
o do cinema americano em O Jogador, o da música e vida country
em Nashville. Vemos a utilização do humor rasgado
e à beira do surreal (como vimos em Dr. T e as Mulheres, Popeye
ou em momentos de M.A.S.H.). Vemos a narrativa-painel que se espalha
por uma série de personagens (como em... bem, como em quase toda
a carreira dele). Vemos a utilização da música como
elemento essencial para construir o ritmo do filme, não apenas
o ritmo interno, mas acima de tudo aquele a partir do qual o espectador
recebe e responde às imagens.
Portanto, o filme
está claramente dentro de algumas das mais comuns características
do cinema dele, mas ainda assim há uma estranheza, que parece vir
da origem teatral do texto. Nem tanto pela encenação fixa
em dois ou três espaços, mas principalmente porque a linha
de humor usado (que mistura um certo vaudeville com uma comédia
absurda) tem maiores dificuldades de empatia com o espectador no meio
cinematográfico do que teatral. Afinal, como se sabe, no teatro
a relação do espectador com o que assiste abre muito mais
possibilidade de aceitação do incompreensível, do
anti-natural, do artificial. No teatro, um homem com talco na cabeça
é um velho, enquanto no cinema é mais difícil achar
o tom que justifique este artifício.
Esta transposição
de tons parece ser a principal dificuldade do filme, uma vez que as personagens
e seus diálogos são completamente absurdos, mas acima de
tudo, ficam numa leitura fria, distante (no que colabora as péssimas
atuações dos protagonistas Jeff Goldblum e Julie Hagerty).
Apenas parecem estar se divertindo mesmo Glenda Jackson e Tom Conti, porque
decidem que seus personagens são realmente apenas pastiches quase
chanchadescos. Interpretados como tal, eles funcionam, e possuem os momentos
verdadeiramente engraçados do filme.
Não que o filme
não possua um charme, que tanto pode ser atribuído ao seu
extremo "oitentismo" (pensemos numa mistura de Secretária de
Futuro com O Fundo do Coração) quanto ao seu
substrato que nos afirma que as relações amorosas menos
prováveis podem acabar se concretizando. No entanto, provavelmente
o principal ponto de interesse continua sendo o retrato sarcástico
do processe da psicanálise, tanto da parte de analisados quanto
de analistas. Meio aos tropeções, mesclando algumas piadas
excepcionais com outros momentos impressionantemente constrangedores,
o filme se sustenta hoje como um exemplar sem dúvida menor, mas
ainda curioso, seja pelo que confirma da obra de Altman, seja pelo que
nos relembra do que foram os anos 80.
Eduardo Valente
|
|