O estranho mundo da mostra Cinema
Marginal (uma crônica aos pedaços)

1.Tudo
começa numa sessão de abertura genialmente concebida. Sessões
de abertura são um dos grandes pés no saco de festivais
de cinema. Estão todos só querendo saber dos comes e bebes,
de ver os amigos, de bater papo, e de repente nos empurram discursos chatíssimos,
e filmes muito mais longos do que desejaríamos. Para quê?
A mostra Cinema Marginal e suas Fronteiras tomou o caminho mais
óbvio, e ainda assim menos usado: se abertura é para criar
expectativas, chamar a atenção para algo, oras bolas, porque
não trailers?? A idéia foi boa de 3 maneiras. O material
era pouquíssimo visto e conhecido, portanto foi uma agradável
e rara surpresa. Os trailers eram deliciosos, e davam verdadeira vontade
de conhecer os filmes. E, finalmente, eles terminavam logo e nos deixavam
à vontade para os salgadinhos e champagne. Vamos ser sérios
a partir do dia seguinte, oras...
2.Ao
acordar, a surpresa: a mostra Marginal na capa do suplemento cultural
do Globo, o famigerado Rio Show. Será possível??? Logo neste
túmulo do pensamento cinematográfico? Abrimos eufóricos
a revista, são 4 páginas dedicadas ao evento sendo que uma
delas com o mais compreensível mapa da programação
visto até agora. É por isso afinal que eles contratam designers
num grande jornal. Além disso, uma matéria que faz o necessário
link entre o então e o hoje, que a própria mostra precisava
ter feito. Mas não dá para comemorar. O lead principal
já avisa: "Ecos do curioso cinema de guerrilha*." Assim mesmo,
com direito a asteriscozinho. Não entendi bem porque eco (seria
uma citação à produtora do evento, Heco Produções??),
nem porque guerrilha (os politizantes eram os do Cinema Novo), mas entendi
muito bem o curioso. Curioso quer dizer "ruim, mas peculiar". Boa, Eros
Ramos de Almeida, o Deus do Amor do Globo, vaticinando: o Cinema Marginal
é curioso. Mas, aguarde, não ligue ainda, tem mais!! Não
contente com isso, nosso amigo Erótico ainda nos dá o conteúdo
do asterisco: "Os filmes do cinema marginal não são recomendáveis
aos portadores de bom gosto crônico, seriedade inabalável
e refinamento estético". Ou seja, sob disfarce do clássico
wittysm-global nosso colega e seu editor witty-mor Artur
Xexeo se eximem de culpa com as senhoras leitoras do Globo. Ou seja, destacamos,
mas com o aviso. Parece maço de cigarro com foto de cancerígeno,
não? Ou aquela velha camisa do Casseta: "VÁ AO TEATRO! Mas
não me chame..." Difícil saber se esta matéria chama
ou assusta mais as pessoas. Aliás, difícil não. Sem
dúvida, assusta mais. Mas quem vai reclamar, né?
Melhor
que no JB onde o um quarto de página não teve direito nem
a assinatura. Assim não se sabe com quem falar de uma matéria
que diz no lead "Só para aficionados", e avisa que "para
o grande público, é um programa arriscado". Marginal, eu
diria... E viva nossos suplementos comerciais, quer dizer, culturais!
A moral e os bons costumes escapam intocadas novamente, o professor Oaxiac
Odez não ameaçará as mentes bondosas de nossa juventude
dourada carioca... Enquanto isso o Bonequinho está de pé
aplaudindo um filme fascista (Réquiem para um Sonho)...
Viva!
3.Sempre
vale a pena ir aos debates dos eventos no CCBB. Tanto você pode
ter a chance histórica de ver Walter Lima Jr. dizer que cineasta
marginal no Brasil são todos, quanto o prazer ainda mais raro de
ver Luiz Rosemberg Filho afirmando que não tem nada contra que
se façam Bufo e Spallanzani e Bellini e a Esfinge
desde que cineastas como Andrea Tonacci, Jairo Ferreira, ou o próprio
Rosemberg pudessem estar filmando. Como eles não estão,
tem algo de muito errado aí! Foi ainda especialmente tocante ver
Rosemberg lembrar os que "morreram de cinema brasileiro" (como Glauber,
Joaquim Pedro, Roberto Santos, Olney São Paulo, etc), assim como
a presença ultra-especial de Helena Ignez comentando a realização
de Mulher de Todos (e aproveitando para vender o próximo
filme do "maridão" Sganzerla sempre que podia). Mas, caso isso
não seja emoção o suficiente tem sempre as peculiaridades
dos nossos CCBBzetes, como aquele que foi capaz de encerrar o debate de
Walter Lima e Inácio Araújo ao começar uma série
inacreditável de gemidos em pleno sonho erótico que estava
tendo dormindo. Ou o debate mais surreal ainda entre duas pessoas na platéia
sobre a qualidade de Lavoura Arcaica em plena leitura de Ismail
Xavier. É curioso ainda notar como a imensa maioria das perguntas
feitas nestes debates são, a bem da verdade, afirmações
em busca de aprovação das "autoridades". Ninguém
tem exatamente dúvidas, mas sim buscam validade para suas impressões.
Como disse o chapa Bernardo Oliveira, é mais prático os
debatedores começarem a aparecer com plaquinhas dando notas às
colocações do público...
4.As
cópias, ah, as cópias. No geral, o estado até é
menos periclitante do que se podia pensar (até porque aquelas em
pior estado na passagem por SP foram vetadas para o RJ), mas ainda assim
foi muito duro assistir meio Viagem ao Fim do Mundo de Fernando
Cony Campos com o foco fugindo, ou pior ainda, a cópia inteira
de as Libertinas da mesma maneira. De resto, muitas cópias
marcadas, mas ainda visíveis, e demos graças a Deus, pois
sabe-se lá até quando se poderá ver os filmes...
5.Parece
que os alunos da UFF saíram das cavernas afegãs onde andaram
escondidos nos últimos meses. Estava cada vez mais raro ver um
grupo de alunos de cinema nas mostras realmente alternativas da cidade
(até porque, diga-se, só sobrou o CCBB realizando tais coisas
no Rio), mas eles ressuscitaram com tudo. Vamos tentar olhar de lado a
capa do Rio Show como possível atrativo, e preferir pensar na estratégia
dos organizadores da mostra de estarem bem próximos ao curso de
cinema da UFF. O Cinema Marginal sempre teve um atrativo grande com boa
parte dos jovens estudantes de cinema, mas é bom ver que entre
os rostos há de fato uma nova geração. Quisera eu
ter assistido estes filmes quando entrei na faculdade. O fato é
que o Cinema Marginal continua exercendo sua mágica com uma parcela
jovem do público (como nas sessões de Bang Bang e
Mulher de Todos), e isso é muito, muito bom. Recentemente,
numa mostra de chanchadas no mesmo local, pudemos testemunhar o envelhecimento
do público daquele gênero. Resta saber onde andam as pessoas
do mercado de cinema, que parecem ocupados demais para verem filmes, ou
então já sabem tudo que tinham que saber. Só se viu
esporadicamente alguns atores dos filmes (Nildo Parente, Maria Gladys).
De resto, aparentemente, o cinema continua marginal. Que o diga Luiz Rosemberg...
6.26
de março. Depois de passar o dia com uma dieta básica consistindo
de A Margem, A Herança, ZéZero e Aopção
(para saber mais sobre os filmes, referir-se ao texto com o nosso "Manual
de busca"), chega o grande momento. Sério, algumas mostras
de cinema viveriam por um minuto tão belo quanto o de Ozualdo Candeias
caminhando para o palco sob efusiva salva de palmas. Há algo de
incomensuravelmente belo em ver aquele animal cinematográfico,
tão maltratado em geral pela nossa memória, sendo aclamado
por uma platéia jovem, seguramente tendo contato com seu imaginário
pela primeira vez. Eugênio Puppo ainda vai organizar uma mostra
com o trabalho dele em SP este ano, que ela chegue ao Rio em 2002!
7. Do
debate? Três momentos bastavam: 1) De quando Carlos Alberto de Mattos
(no papel de mediador) perguntou de que forma aquela quase reforma agrária
do final de A Herança entrava no Hamlet (o filme
é uma "brasileirização" da peça).
Candeias: "Eu dei uma força pro Shakespeare." 2) De quando
perguntado pelo mesmo Carlinhos o porquê de, apesar das poucas palavras
sempre nos seus filmes, no final de ZéZero ser importante
o personagem dizer o "Enfia no cú!" Candeias: "Porque
não havia nada melhor para ele dizer do que isso. Ele só
podia falar isso." 3) De quando aplicada aluna caloura da UFF perguntou
sobre o seu sofisticado uso do som, se era baseado na teoria de Eisenstein,
e o porquê da música diegética. Candeias: "Eu
nunca gostei do som, não me importo com ele. Por isso, sempre fiz
no final, do jeito que dava." Lição de casa, meninos:
teoria é bom pra quem quer. Mas Candeias não teoriza, filma.
Assistam aos filmes para entender isso. Que bom que ele está aí
para ir a debates e receber homenagens. E tem muito a ensinar sobre como
fazer cinema sem dinheiro e com tesão. Mas sem teoria. Esta, fica
para nós, sem precisar de ratificação.
8. É
verdade que houve pelo menos mais dois momentos clássicos. Ele
dizendo que não aceitava palpite de ninguém nos filmes,
porque sempre preferiu "errar sozinho". E nos revelando que
a mãe do Carlão deu pra ele uma produtora. hehehe
Eduardo
Valente
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