O
Imperador do Norte,
de Robert Aldrich
Emperor
of the north, EUA, 1973
Poucos filmes se apresentam de forma tão concisa quanto O Imperador
do Norte. Um letreiro, uma canção e uns poucos planos
e já está tudo lá. A ambientação na
grande depressão americana, a sensação de abandono
e a motivação dos três protagonistas que nem sequer
foram apresentados ainda.
Um Homem e um trem
diz a canção na abertura, e para os 3 homens que se digladiarão
ao longa das duas horas subseqüentes dominar o trem é (ou
eles acreditam ser) a única forma de confirmarem que ainda são
homens. A#1 (Lee Marvin) é um mendigo veterano com grande instinto
de sobrevivência que se auto-intitula o "Imperador do Pólo
Norte", Cigaret (Keith Carradine) é um novato no mundo das
caronas em trens incapaz de parar de contar vantagem, que tão logo
se depara com A#1 parece se dispor a supera-lo.
Por fim, há
Shack (Ernest Borgnine),o responsável pelo trem #19, que se gaba
de nunca ter permitido que um mendigo pegasse uma carona em seu trem e
está disposto a matar para garantir que as coisas sigam dessa forma.Neste
mundo onde ninguém verbaliza suas razões, ele é a
figura mais intrigante. Sabemos que ele odeia os mendigos, mas logo começamos
a perceber que na visão dele o que o diferencia daquelas figuras
é apenas o trem e a sensação de poder que este lhe
dá. Sem o trem entre os outros homens da companhia ferroviária
ele é uma figura deslocada tentando se impor como pode. Um outro
paria, diferente mas tão a parte da sociedade quanto os mendigos
que tanto odeia.
Sobre estas três
figuras paira a grande depressão que acaba se tornando um personagem
tão importante quanto A#1, Cigaret ou Shack. Tudo isto devido ao
enfoque e estilo de Aldrich, possivelmente o direito mais duro e seco
do cinema clássico americano. Não há muitas saídas
para o espectador porque para Aldrich a grande depressão é
simplesmente algo que existe, e que todos (incluindo o espectador) devem
lidar da melhor forma possível. Não existe a tentativa de
idealizar os mendigos, de se criar um melodrama, de se vilanizar alguém
(quando um policial persegue A#1 e Cigaret, ele o faz porque os dois roubaram
um peru e este é seu serviço). Sem todos os enfeites que
o cinema costuma empregar para filmar este tipo de momento, o distanciamento
do espectador acaba sendo rompido e ele se sente realmente inserido e
obrigado a confrontar aquele universo. A desolação, o abandono
e a falta de perspectivas das pessoas (não só dos mendigos
como da maioria dos ferroviários) é palpável justamente
porque Aldrich não parece preocupado em reforça-las a cada
instante..A ótima fotografia e o excelente uso dos cenários
por parte do diretor só reforçam esta sensação
de autenticidade.
Neste mundo, cada
um tenta se impor ao máximo, daí que a característica
que une A#1, Cigaret e Shack é que cada um a sua forma tem uma
ilusão de grandeza que nós percebemos no fundo ser vazia.
Vem daí muita da força da cena final onde um deles inicia
um longo discurso declamando sua condição de vitorioso enquanto
a câmera de Aldrich vai aos poucos nos deixando perceber que o personagem
nota que dominar o trem foi uma vitória que nada mudou a sua situação.
A auto-afirmação, o titulo de Imperador do Norte no fundo
nada vale. Duro seco, triste, quase nihilista, O Imperador do Norte
termina se afirmando como um grande momento de um cineasta que parece
sempre atrás de encontrar o melhor entre o que parece ser o pior
do ser humano.
Filipe Furtado
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