Caçador
de Morte,
de Walter Hill

The
driver, EUA, 1978
Caçador
de Morte é
difícil de definir. Trata-se num primeiro momento do mais simples
dos exercícios de gênero, mas algo parece não estar
certo. Como um filme tão preocupado em ser o mais básico
e genérico possível consegue se tornar tão único?
Trata-se de um film noir feito no final da onda de filmes do gênero
da década de 70. Ele parece existir mais na mente de um cinéfilo
do que em qualquer lugar ou tempo especifico e mesmo assim soa como um
reflexo do momento. Não há quase trama alguma (um jogo de
gato e rato entre dois homens). Os personagens (um motorista de fugas,
um policial) são tratados como tipos que só existem na medida
que são necessários para o diretor. O filme omeça
e termina com duas perseguições de carros muito fortes e
todo o resto é filmado como se fosse uma série de rigorosas
partidas de xadrez.
Os melhores filmes
de Walter Hill (cineasta irregular mas muito talentoso) costumam lidar
sempre com homens que envolvidos numa grande perseguição
acabam de alguma forma se identificando com o outro. Este tema nunca foi
apresentado de forma tão clara como em Caçador de Morte,
onde cada plano parece existir em função disto. Especialmente
na perseguição final quando os dois carros entram num galpão
e se perdem em seus corredores. Toda ação é suspensa
e a perseguição se torna um grande jogo de paciência
em que os papéis de caça e caçador se tornam um só.
A maioria das cenas
é encarada como um duelo final de faroeste em que alguém
sempre tenta convencer o interlocutor de algo e sair com a palavra final.
Não é a toa que este é um dos cada vez mais raros
filmes onde os personagens parecem parar sempre para pensar. Eles sabem
que basta uma palavra ou ação errada para por tudo a perder.
O motorista (Ryan
O’Neal, contido como se tivesse num filme de Bresson) e o policial (Bruce
Dern, sempre prestes a explodir) só se encontram três vezes
mas nenhuma ação tomada pelos dois parece ser feita sem
pensar no outro. Eles não têm à primeira vista nada
em comum, mas logo vai se tornando claro que a linha que os separa é
bastante tênue e ao fim nem mesmo isto.
Hill sempre teve dificuldade
em desenvolver os personagens em seus filmes e ao reduzi-los a tipos vazios
que parecem extraídos de outros filmes ou livros, ele parece ter
encontrado uma solução bastante satisfatória. O’Neal
e Dern (nenhum personagem no filme tem nome) não têm ligação
com nada ou ninguém além do seu duelo particular, mas comunicam
uma angustia que dá um relevo especial ao filme. Eles são
definidos por uma vaidade pessoal de serem "os melhores no que fazem",
vivem para provar isto. Precisam mostrar ao outro que são mesmo
os melhores. Mais ainda, acreditam que provando ao outro, provaram a si
mesmos. É aí que o título nacional acaba acertando
sem querer, porque o motorista e o policial são mesmo, à
sua maneira, tipos suicidas para quem a vida só vale na medida
que esteja sempre em perigo. È por isto que O’Neal aceita dirigir
um carro num roubo que ele sabe ser uma armadilha ou que Dern esteja sempre
jogando fora suas oportunidades de prendê-lo. "A melhor parte
da caçada é a espera", comenta o policial a certa altura
para seu assistente. Os dois homens acabam descobrindo um tanto resignados,
que no fim é esta espera que conta. E é ela que Hill filma,
valoriza e acaba nos deixando intrigados..
Filipe Furtado
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