O Príncipe das Sombras, de John Carpenter

Prince of Darkness, EUA, 1987

John Carpenter enfrentou sérios problemas durante a produção de seu filme anterior Os Aventureiros do Bairro Proibido (86) que culminou com a Fox tentando força-lo a cortar o filme e este se tornando um grande fracasso de público. Depois disso, Carpenter decidiu abandonar os grandes estúdios e voltar a trabalhar em projetos de baixo orçamento. Se O Enigma de Outro Mundo (82), seu primeiro filme de estúdio, pode ser visto como um momento de virada em sua carreira, o mesmo pode-se dizer de O Príncipe das Sombras.

Pela primeira vez, fica claro um projeto que se desenvolve por muitos dos filmes posteriores do diretor (Eles Vivem, Memórias do Homem Invisível, Fantasmas de Marte): uma oposição ao modelo cada vez mais reinante nos filmes dos grandes estúdios. Carpenter novamente nos apresenta a uma situação que pode levar ao fim do mundo, mas tudo é feito em um tom pequeno e discreto. A ação é limitada a um único cenário, não há explosões ou grandes destruições, apenas um grupo de pessoas com um problema nas mãos e um outro grupo formado por mendigos.

Haverá também espaço para vários dos temas e obsessões de Carpenter: um grupo acuado, igreja católica, a revolta dos excluídos, um personagem se vendo obrigado a assumir a liderança a contra gosto, outsiders, possessões e crises de identidade. Apesar disso Príncipe das Sombras parece ser apenas um grande exercício (foi desenvolvido ao mesmo tempo que Eles Vivem, sendo este outro um projeto muito mais relevante e pessoal).

Nestes termos mesmo que lhe falte um algo mais para coloca-lo entre as grandes obras do cineasta, há muito a aproveitar no filme. Um conceito interessante, o uso criativo de mensagens do futuro que chegam até os personagens através de sonhos, um clima forte (em muito ajudado por uma das melhores trilhas que Carpenter compôs) e, principalmente, um uso inteligente do espaço cinematográfico para a construção de claustrofobia.

Um momento chama a atenção. Um coadjuvante achando que tudo não passa de uma grande bobagem decide abandonar a igreja onde a ação se passa, na rua se vê cercado a distancia pelos mendigos e outro personagem já possuído. Carpenter passa a alternar planos dos outros personagens com planos bem mais abertos mostrando o homem sozinho totalmente acuado, tem-se a sensação de que até o ar entorno dele o sufoca. Arrisco dizer que trata-se de uma cena que Fritz Lang assinaria com orgulho.

A cena é o prelúdio do último ato do filme quando os personagens são separados em vários quartos diferentes e se vêem constantemente vigiados pelos possuídos que esperam a ordem para entrar em ação. Uma longa noite de espera pelo que parece uma morte certa. É justamente este entrecho que gera o maior interesse em Príncipe das Sombras que se não está entre o melhor da obra carpenteriana não deixa de ser um filme de horror perturbador e surpreendente.

Filipe Furtado