Jogada Decisiva

He Got Game, de Spike Lee (EUA, 1998)

Jogada Decisiva (He Got Game) passa na HBO sem ter passado nos cinemas. A história já é velha: a partir de Crooklin, para cada filme de Spike Lee que entra no disputado circuito dos cinemas brasileiros, temos um que vai direto para o vídeo ou para a TV a cabo. Assim perdemos os documentários Get on the Bus e Four Little Girls e o já citado Crooklin que figura entre os melhores filmes de sua carreira. Quais seriam os motivos? O alto preço das cópias? Ausência de interesse de grande parte do público na obra do diretor? Ou pior, preconceito racial? Como explicar que um filme que conta com a presença de um ator carismático como Denzel Washington não encontre distribuição no Brasil?

Pior que Jogada Decisiva tinha tudo pra fazer sucesso nos cinemas. Um relativo sucesso, visto que não é uma grande produção. Denzel Washington faz o pai de família Jake que está na prisão pelo assassinato involuntário de sua esposa durante uma briga. Ele recebe a proposta de ter sua pena abrandada se conseguir convencer seu filho Jesus, um astro do basquetebol colegial, a ingressar na universidade do governador. Ele tem uma semana para realizar a missão. Spike continua o mesmo. Basta notar a maneira como é montado o diálogo entre Denzel e o diretor da prisão no começo do filme. São inseridas imagens do passado, fragmentando a conversa de forma bem criativa.

O começo também é exemplar: vemos uma profusão de arremessos de bolas de basquete, bolas voando em câmera lenta, caindo de "chuá" nas cestas, quicando pesadamente no chão. Está feita a declaração de amor ao esporte. Hora de ingressar no drama pessoal de Jake, que lida com a culpa, e do filho, que ainda ama o pai, mas não o perdoa. Aproximando os dois está a personagem de Zelda Harris, a graciosa garotinha de Crooklin. É a personagem mais bem construída do filme. Ela conquista de imediato a simpatia do espectador que torce para que ela apareça mais vezes. Infelizmente, o filme é centrado em Jesus e Jake, personagens construídos sem muita profundidade. Não compramos o arrependimento do pai e não nos identificamos com a cabeça oca do filho. É pífio o questionamento de Jesus sobre seu nome e é boçal a explicação de Jake dizendo que se inspirou no ídolo do basquete que tinha esse apelido. Parece estranho que o filho não houvesse tomado conhecimento da homenagem até então. E também não fica claro se o pai estava inventando uma história apenas para tranquilizá-lo ou se esse jogador realmente existiu. Problemas que ofuscam um filme que tinha grande potencial, rico em implicações.

Um tema menor, mas que não deve ser relevado, é a dificuldade de ascensão do jovem negro no mercado de trabalho americano. Mesmo quando é um esportista talentoso ele estará sujeito à companhia de traficantes, aproveitadores e empresários apenas interessados em tirar as suas casquinhas. Meio simplista, mas pertinente. Torna-se explícito quando aparece um figurão de carro conversível. Temos novamente o mesmo tratamento fragmentado do início, com o mesmo impacto, só que desta vez são inseridas imagens de um futuro hipotético, com Jesus às voltas com o sucesso. Tema que já permeava Jungle Fever e Malcolm X e poderá ter um tratamento mais aprofundado por Spike no futuro.

Outra sequência que fica na cabeça é a da apresentação da equipe do colégio. Puro Spike, em cada fotograma. Em seguida temos as opiniões de personalidades sobre o promissor Jesus. É Michael Jordan que diz: He Got Game. Por mais que as passagens relativas ao draft (o processo de cooptação de jogadores pelas universidades, com o assédio de empresários que querem pular essa etapa e passar direto para a profissionalização, via NBA) sejam inacessíveis ao espectador não familiarizado com o jogo nos EUA, tudo é tão bem explicadinho que não há a menor chance de se perder o fio da trama. Que conclui de forma socialmente cética, comprovando o que já sabíamos: Spike Lee, mesmo aquém de seu potencial, é um verdadeiro autor.

Sérgio Alpendre