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Crooklyn
Uma Família
de Pernas pro Ar

Crooklyn, de Spike
Lee (EUA, 1995)
Para muitos diretores,
mesmo entre os mais talentosos, sequências de abertura servem apenas
para apresentar o elenco e ficha técnica. Woody Allen, por exemplo,
as faz sempre iguais e neutras, repetindo, inclusive o formato das letras.
Steven Spielberg e Clint Eastwood prefem ignorá-las, apresentando
os créditos somente ao final do filme. Já Spike Lee as concebe
metodicamente, de forma a introduzir o espectador na temática e
no clima por ele pretendidos. Foi assim com Rosie Perez boxeando o ar
ao som de Fight the power em Faça a coisa certa ou
com as placas de trânsito em Febre da selva. Mas a mais perfeita
das aberturas de Lee encontra-se em Crooklyn. As imagens de crianças
brincando nas ruas do Brooklyn valeriam por todo o filme, não fosse
esse um de seus melhores e mais coesos trabalhos.
Como sugere a abertura,
é um filme sobre a infância. Mais especificamente, um filme
auto-biográfico onde Lee retrata sua família em um roteiro
escrito em parceria com os irmãos Cinqué e Joie. Entretanto,
ao contrário da maioria das narrativas auto-biográficas,
o autor não centra a fita no próprio umbigo, fazendo de
Joie (que no filme chama-se Troy), a única menina em uma casa com
cinco crianças, o centro das atenções. Reserva inclusive
para si um retrato não muito simpático, como Clinton, o
irmão mais velho, torcedor fanático do Knicks,que não
pensa em outra coisa além de basquete e vive pegando no pé
de Troy.
Crooklyn, como
não podia deixar de ser, é imerso em um clima nostálgico,
mas nunca em um saudosismo piegas de quem se segura ao passado como contraponto
às frustrações do presente. A infância é
vista como um momento da vida a ser lembrado, mas não superestimado
por uma abordagem careta e redundante da inocência, tão comum
no cinema .Também não são buscadas razões
e causas para possíveis traumas futuros, como pode ser caracterizado
pelo retrato carinhoso, mas nunca condescendente dos pais, magistralmente
interpretados por Delroy Lindo e Alfre Woodard. Estes apresentam aqui
uma inversão dos papéis tradicionais, sendo a mãe
a figura autoritária e provedora do sustento e o pai a figura doce
e conciliadora, com seu temperamento de artista.
O retrato da vida
cotidiana da família é bastante rico em detalhes que levam
à identificação de qualquer um que viveu em cidade
grande, especialmente em subúrbio, e foi criado com galera de rua.
Os tipos recorrentes, como o vizinho mala ou os doidões do bairro
e situações como o papo furado na escada e os barracos entre
família ou entre vizinhos são mostrados de maneira bem humorada,
mas nunca caricata, como componentes de uma tumultuada normalidade. Quando
Troy vai passar uma temporada com os tios provincianos e "embranquecidos"
em uma pacata cidade do sul, as imagens são mostradas de forma
distorcida, como se estivéssemos em outro planeta.
Dois fatores contribuem
de forma especial para que o diretor consiga situar convenientemente seus
personagens na Nova York do início dos anos 70, uma época
na qual ser negro nos Estados Unidos havia se tornado motivo de orgulho
, refletido na luta pelos direitos civis e no reconhecimento de ídolos
do esporte e da canção popular ("Black is beautiful.").
Primeiramente a utilização da música. Os sucessos
da época são colocados como parte essencial da narrativa,
e a ela estão integrados. Não estão ali somente para
vender o disco com a trilha musical. Em segundo lugar, o trabalho exemplar
da figurinista Ruth E. Carter, buscando uma caracterização
detalhista e individualizada de cada situação e personagem.
Esta deveria ser a função do desenho de vestuário
no cinema, e não um mero desfile de roupas bonitas e vistosas para
ganhar Oscar.
Gilberto Silva Jr.
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