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Esta é mais para os cariocas. Existe aqui no Rio uma filial do paraíso cinematográfico no meio do inferno moderno. O UCI (por enquanto únicas salas do grupo na cidade), que apresenta as 18 melhores salas de cinema do Rio, com projeção e som inacreditáveis, fincado no mais deprimente templo do consumismo, uma excrecência conhecida como New York City Center, famosa pela ridícula Estátua da Liberdade na entrada. Ir ao UCI para um morador da Zona Sul-quase Norte como eu, significa antes de tudo um périplo (é longe pacas, não dá para ir de ônibus sem perder algumas horas). Mas significa também se preparar para ir a um lugar onde, paradoxalmente, os filmes são o menos importante. Lá eles só complementam o programa com comida, boites, casas de jogos, lojas. E, principal diversão do carioca, a sempre saudável azaração desenfreada. Além disso, é o lar de uma tribo muito específica, os adolescentes bem nascidos, sempre em bandos, sempre preocupados com a auto-imagem, sempre barulhentos. Em fins de semana e férias escolares, o cinema está sempre muito, muito, muito cheio. Aí, fica a dúvida: vale passar por isso tudo (filas, barulho, shopping, distância) para ver a melhor projeção de filmes da cidade? Dia desses eu tive provas de que sim e de que não, e que a resposta é inexistente. Fui ver Apocalypse Now Redux numa sessão vespertina de dia de semana, portanto tinha boa idéia de que não estaria lá muito cheio, tanto pelo filme quanto pelo horário. Acertei em cheio. (de quebra ainda encontrei o Walter Lima Jr, certamente refrescando as memórias do filme) Logo na primeira cena, o acerto da escolha se tornou total: os helicópteros de Coppola entrando por todos os lados, e o surround da sala, misturado com o trabalho novo do Walter Murch, nos colocava de tal forma dentro do filme que não se pode imaginar vê-lo de outra forma. Que projeção, meus amigos, especialmente o som, mas a imagem, o tamanho da tela, tudo perfeito. Quer dizer quase tudo, verdade que o chão da sala tremia com o som de um outro filme, causando a fileira inteira de cadeiras a balançar num movimento meio chato, e também é verdade que não indo contra sua imagem de "supermercado de cinema", os funcionários do UCI têm a mania de abrir as portas de saída, ao lado da tela, antes do filme acabar. Pra que essa pressa, meus caros?? A gente jura que vai sair... Mas, de todo jeito, uma deliciosa experiência. Aproveitei então a companhia da patroa, comemos algo e voltamos para a complementação do programa (porque afinal ir até o UCI para compensar precisa de dois filmes). Fomos ver Os Outros (no meu caso rever, porque tinha tido a chance de vê-lo em outro belíssimo cinema, o Arteplex em São Paulo). A sessão noturna já indicava um problema: gente demais na sala, vários grupos de adolescentes. Problemas à vista... Começa a projeção, e o surreal acontece: outro filme começa a passar. Gritos e zona geral (além de tudo era American Pie 2, que pela reação da garotada, todos ali já tinham visto). Este é o problema do excesso de salas e troca-troca de filmes por horários, etc: erro do projecionista. Dez minutos depois, voltamos ao filme. Os adolescentes até queriam ficar em silêncio, mas algo os impedia: suas pipocas. Parece que o UCI serve a pipoca num tipo de saco feito especialmente para fazer o máximo possível de barulho. Como a pipoca é vendida em sacos de 15 litros ou algo assim, isso é garantia de chateação por pelo menos meio filme. Ainda bem que eu já tinha visto o filme, mas por isso mesmo eu devia lembrar que Os Outros é um filme impressionantemente quieto. Todo mundo sussurra em cena o tempo todo, o filme precisa de climas, tem pouquíssima gritaria ou efeitos sonoros. OU seja, ao contrário de outros filmes hollywoodianos, o som do cinema não abafa o da platéia. Como se não bastasse isso, um detalhe técnico vital entra em cena: o filme foi feito em janela 1.85, e estava sendo projetado em 1.66. Erro cada vez mais comum nos cinemas, e insuportável. Porque, para os leigos, isso significa que o boom entra em quadro inúmeras vezes ao longo da projeção. E, claro, o erro não é de trabalho porco de um grande estúdio de Hollywood, mas de adequação na projeção. Para um filme de "terror", passado nos anos 40, é especialmente incomodativo e "corta clima" ver o microfone em cena. E, claro e com toda razão, os adolescentes não deixavam passar cada entrada com gritos e risadas. Para qualquer um que desconheça qualquer coisa de projeção, o erro é risível. Saí da sala duas vezes para reclamar, o que significa uma longa caminhada por escadas, já que só se encontra um funcionário dois andares abaixo. Ele foi solícito e disse que ia avisar o projecionista, mas claro que eu sabia que isso não ia dar em nada. Nem funcionário da porta nem projecionista (cada um cuida de umas nove salas ao mesmo tempo, eu sei, eu já estive visitando a cabine) possuem o menor carinho ou cuidado com o filme em si. Não são treinados para isso. São funcionários de uma fábrica de entretenimento na qual não há espaço para detalhes. Se o filme está na tela, está bom. Ao final, claro, a porta abriu antes do fim do filme. Bom, e qual o resultado final desta ida ao paraíso do inferno ou vice versa. A conclusão é simples: tecnologicamente o UCI permite uma fruição como só os artistas podem sonhar (como um Coppola e um Murch). Nisso está anos-luz à frente do poeira moderno que é o Cinemark, com suas salas porcamente montadas. Mas, tanto seu público, como seus funcionários, como sua concepção (onde pipoca é mais importante que cinema) não estão preparados para lidar com o componente de arte, de fruição, de sonho que o cinema carrega. Business is business. Resta torcer para um Arteplex da vida chegar ao Rio algum dia (já que embora os cinemas do Estação sejam muitas vezes ótimos, são poucos e com opção restrita de filmes), ou que o UCI consiga conviver com arte e entretenimento juntos, sem ser opostos. Como? Com coisas simples, como abrir a porta do cinema após o filme terminar, trocar os sacos de pipoca por baldes (que não fazem barulho), e dar atenção e treinamento aos funcionários sobre mais do que simplesmente como vender e ser educado. Eles precisam entender de cinema, um pouquinho só. Mas, isso é sonho... Eduardo Valente |
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