Obituário: Budd Boetticher

"Não se deve temer nada nem ninguém quando se quer fazer um filme."
John Cassavetes

Budd Boetticher foi um desses cineastas que tiveram uma vida tão fascinante quanto a obra. Cineasta "durão" e aventureiro, Budd é o símbolo do que o cinema americano já teve de mais autêntico e puro. Mas, como todo artista maldito, também é um enigma, um mito que venceu e fracassou para acabar morrendo no ostracismo em seu rancho na Califórnia.

Depois de trabalhar com o nome de Oscar Boetticher, já em algumas obras encomendadas, Budd conseguiu dirigir seu primeiro projeto pessoal, The Bullfighter and The Lady. Neste filme sobre touradas – que segundo a lenda foi montado por John Ford, grande admirador de Budd –, o cineasta mostrou sua veia realista, com longas seqüências de touradas que beiram o documentário e transmitem todo o rigor que viria ser a marca do autor. Sucesso considerável depois de sua estréia, The Bullfighter... lhe ajudou a ser contratado pela Universal, onde conseguiu, nos westerns com Randolph Scott, o mesmo que Anthony Mann fez com Jimmy Stewart e John Ford com John Wayne: a oportunidade de criar uma identidade autoral numa parceria em que as personalidades do diretor e de seu protagonista se ligam covalentemente.

Nesses westerns "naturalistas", Boetticher pôde desenvolver as obsessões típicas do gênero: o valor do sacrifício, a honra antes do prazer... Mas Budd nunca foi homem de discursos ou moralismos piegas. Como Hemingway na literaratura, o olhar objetivo e distanciado do cineasta encontra a reflexão na ação, no gesto, na atitude. Uma austeridade estilística que carrega no momento físico, "no instante decisivo da superação", a própria inquietação existencial. Tantos elementos que juntam o universo do western com o das touradas, esporte pelo qual Boetticher foi apaixonado na juventude.

Tal paixão levou o cineasta ao México, onde, depois de acumular uma boa fortuna pessoal, resolveu filmar por conta própria um velho projeto: Arruzza, documentário sobre o toureiro Carlos Arruzza. Budd propôs o projeto a Jack Warner, que disse: "te dou três milhões...mas tem que fazer com o Tony Curtis." A exigência indignou Budd, que queria uma obra pura e recusava "negociar uma só tomada". Seu objetivo era rodar o filme em seis meses, mas Arruzza tomou de Budd longos oito anos e todo seu dinheiro. No final, estava quebrado. Também tinha se apaixonado por uma "linda garota" e viu-se obrigado a tomar uma decisão. Disse a ela: "Querida, deixe-me explicar uma coisa: te amo. Mas, se me casar contigo, é porque te amo e porque tenho a responsabilidade de te manter. Por isso, um dia vou me ver forçado a dirigir um episódio de Batman e acabarei te detestando." Não casou. Mais tarde, no desespero da miséria, Budd fez de tudo, ficou doente, quase perdeu um pulmão. Acabou uma semana na prisão e outras cinco num hospício (as autoridades mexicanas não sabiam o que fazer com ele) por ter assaltado um turista americano.

Boetticher se recuperou mais tarde graças a John Sturges, que comprou um velho roteiro seu e lhe permitiu, com uma ajudinha financeira, finalmente terminar, por caminhos tortos, Arruzza. Foi seu último filme antes de A Time for Dying, de 1969.

Budd sempre foi um cara direto, muito sincero. No série documentária "Cinéastes de notre temps", Phillippe Garnier e Claude Ventura levaram-no para locais que lembram filmes como Ride Lonesome e, fascinados com tudo que aquele homem representava, começaram a lhe perguntar um pouco demais sobre coisas do Oeste. Budd explodiu de raiva e fuzilou: "Por que vocês só me vêm como um cowboy? Isso não é Eu! Escrevo e dirijo filmes, só isso que faço. Fiz uma dezena de westerns, mas também fiz outros quarenta filmes! Por que não botam um pouco de "mim" nesse filmizinho de vocês!" Era o tipo de cara idealista, um cabeça-dura que insistia em seus sonhos. Isso o levou muitas vezes à solidão, mas, como o bom individualista que era, não se deixou afetar. O individualismo de Budd, por sinal, é visível em seus westerns, nos quais, diferente dos de Anthony Mann, o personagem não luta por uma comunidade mas, sim, pela sua dignidade.

Recentemente, numa entrevista ao Cahiers du Cinema, ele disse: "Nunca gostei de esportes coletivos. Quando jovem, gostava dos esportes individuais, como corrida." Nada surpreendente: assim como seus personagens, Budd sempre enfrentou seu destino como um herói solitário.

Budd Boetticher morreu na semana passada aos 85 anos. A imprensa brasileira pouco falou sobre o assunto.

Bolívar Torres