O
papel da curadoria em uma sala de Cinemateca: entrevista com Gilberto
Santeiro
Felipe Bragança:
Qual o papel de uma Sala de Cinemateca na difusão da memória
cinematográfica brasileira fora do âmbito comercial – que
tipo de critérios podem e devem ser pensados na curadoria de uma
sala como essa?
Gilberto Santeiro:
Uma cinemateca fica conhecida através de sua difusão, de
sua sala de exibição. Tudo o que você precisa para
divulgar uma cinemateca é feito por aí – toda cinemateca
procura ter uma boa sala de exibição. As cinematecas do
mundo inteiro não visam apenas seu cinema nacional. As cinematecas
costumam divulgar os filmes fora do circuito comercial, filmes pouco conhecidos
de diretores pouco conhecidos. Existem países, em que o cinema
tem uma força grande de divulgação, onde foram criados
órgãos para essa divulgação, como na Alemanha
e na França – onde o instituto Goethe e os consulados fazem o papel
de divulgar os filmes desses países no resto do mundo. O que se
vê bastante são mostras que percorrem o mundo inteiro, inclusive
passando também pela cinemateca do MAM. A cinemateca do Uruguai
cumpre um pouco essa função de distribuir o cinema do país
pelo mundo – o que é um caso curioso, já que o cinema uruguaio
não tem sido muito representativo mas sua cinemateca é forte
justamente por fazer o papel que seria das distribuidoras dentro do país.
O que é um caso muito específico. No nosso caso em função
do diagnóstico do cinema brasileiro, do estado das cópias,
já temos como saber que o ideal seria fazer novas cópias
de materiais dos quais só temos os negativos – mas como são
muito custosas, não sei se poderão ser feitas.
Marina Meliande: A
difusão deveria ser uma 2a etapa desse processo?
G: Olha, na verdade,
o projeto do diagnóstico não prevê uma difusão.
Porque para haver essa difusão seria preciso primeiro duplicar
esses negativos e só então fazer as cópias novas.
No momento, depois do diagnóstico, estaremos fazendo o censo aqui
no Rio, como já está sendo feito em SP. Precisaríamos
de um orçamento específico para essa duplicação
e copiagem. Não é impossível, já que hoje,
com o Canal Brasil, abriu-se uma janela de difusão e as cinematecas
se valorizaram no mercado da TV a cabo. A demanda de filmes é muito
grande, cerca de 500 filmes por ano para manter um canal como o Canal
Brasil. O problema é que outros canais só querem passar
aqueles chamados "filmes de cinemateca", isso é, filmes ditos de
qualidade... O que é muito curioso: quando se pensa em cinemateca
se pensa logo em filmes "bons", só filmes bons...clássicos.
Quando, na verdade, a cinemateca deveria se preocupar com a produção
geral do cinema sem se preocupar com esses critérios do que é
bom ou ruim. Qualquer filme deve poder ser exibido em uma cinemateca,
desde que haja uma boa cópia disponível. (pausa)
Em 2002 estaremos
instalando, com o patrocínio da BR Distribuidora, os projetores
da sala da cinemateca, colocando projetores com som Dolby Digital como
os do circuito comercial, porque grande parte da produção
mundial e do Brasil já está trabalhando com som digital.
Nós sentimos que algumas produções no Brasil não
quiseram ser exibidas aqui porque não tínhamos esse sistema.
Nosso sistema era o ótico tradicional. Acredito que em Março
já estará pronto e aí começará a nova
programação da cinemateca.
F: Qual deve ser essa
programação para 2002? O que esses novos equipamentos podem
trazer de novidades para a sala da cinemateca?
M: Essas programações
incluirão ciclos de debates ou mesas redondas? Alguma publicação?
G: Temos em nosso
acervo cerca de 5000 títulos, de cópias nacionais e estrangeiras.
Esse acervo está na maioria em bom estado, e na verdade a maioria
não usa o sistema de som Dolby instalado na sala. O que gostaríamos
com esse novo equipamento é que a Cinemateca do MAM voltasse a
receber os lançamentos de filmes brasileiros, isso é, que
os filmes brasileiros voltem a ser lançados na cinemateca. No passado
a sala da cinemateca já teve o papel de lançar importantes
programas de curtas brasileiros, filmes brasileiros inéditos...e
hoje em dia isso deixou de ser feito aqui. Gostaríamos que isso
voltasse a ser feito. (pausa)
A programação
do ano que vem seguiria em parte o modelo estabelecido antes: começaríamos
com os Tesouros da Cinemateca (clássicos do cinema mundial), uma
Mostra Fellini, aproveitando que temos muitas cópias dele aqui,
uma Mostra Rogério Sganzerla, uma sobre Construtivismo Russo, uma
mostra sobre cineastas que são famosos mas que andam meio esquecidos
como Zurlini, Straub e Trigueirinho Neto: um cineasta brasileiro muito
importante que fez um filme chamado Bahia de Todos os Santos. Depois
viria uma Revisão anos 90 e Sucessos dos anos 90. Depois uma mostra
de Trailers que é uma mostra interessante e que terá uma
discussão sobre o papel dos trailers. Por último, uma mostra
sobre a Pornochanchada Carioca que, como a Chanchada, tem tido maior reconhecimento
e tem sido objeto de estudos acadêmicos. Faremos também uma
mostra sobre filmes musicais, chamada Rock-Punk-Hip-Hop. Além disso
uma mostra Hector Babenco, Clássicos no Neo-Realismo Italiano e
uma Mostra de Animação Brasileira Moderna. Fizemos agora
em 2001 uma mostra de animação com muito sucesso e agora
teremos essa específica de animação brasileira.
Manteremos também
a parceria do A Escola vai ao Cinema – sessões para escolas municipais
de primeiro e segundo grau. Algumas dessas mostras devem ser acompanhadas
de debates e mesas redondas, como as dos cineastas brasileiros e a dos
trailers. Trazer os diretores para dentro da cinemateca para que eles
falem de seus filmes... e trazer pessoas que trabalham com trailers para
conversar sobre sua criação.
Publicações
seriam mais difíceis por causa de seu auto custo...
F: Você podia
falar mais um pouco da importância dessa retomada dos lançamentos
de filmes brasileiros na sala da Cinemateca do MAM.
G: A importância
é muito grande. Gostaríamos de poder contar com a exibição
em maior quantidade de filmes brasileiros recentes e retomar o papel inicial
da Cinemateca do MAM, reativando sua importância para o cinema brasileiro
atual. Inclusive tapando algumas lacunas que temos em nosso acervo do
Rio de Janeiro, de cineastas cariocas que não têm cópias
de seus filmes conosco, o que seria bom ser mudado. Nós gostaríamos
de poder retomar esse tipo de contato através dessa retomada da
sala da Cinemateca do MAM como um espaço de lançamento de
filmes nacionais. O investimento na qualidade da sala foi pensando nisso.
Entrevista realizada
por Felipe Bragança e Marina Meliande
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