![]() |
![]() |
Nos Estados Unidos acaba de ser criado um Museu Cinematográfico, destinado apenas a guardar filmes. Se, entre nós, aludisse alguém à possibilidade de coisa semelhante, a proposição seria recebida por entre gargalhadas, e o autor necessariamente receberia a consagração de maluco, pelo menos. Quando o professor Agache, encarregado pela Prefeitura de remodelar a nossa capital, quis estabelecer seus planos, além da visita detalhada à cidade, cuidou de percorrer nossos arquivos, museus, bibliotecas, à cata de fotografias, gravuras, plantas, desenhos, pelos quais pudesse fazer juízo perfeito sobres as transformações sofridas pelo Rio de Janeiro, nestes cento e poucos anos de capital do país. Essa contribuição dos estabelecimentos destinados à guarda das memórias urbanas foi considerada de tal valia que inúmeros documentos foram logo copiados para os estudos do artista. O tempo varre da memória humana a recordação do que se foi, os museus e arquivos constituindo-se os depositários das tradições que carecem ser conservadas. Os livros de Debret, Rugendas, Chamberlain, as litografias de Moreau e outros, fazem reviver para nós o velho Rio de Janeiro de nossos avós. A fotografia facilitou e multiplicou as facilidades dessa documentação. A cinematografia ampliou ainda mais o campo, permitindo fixar uma época com todas as suas características. Por isso mesmo, o cuidado que povos mais adiantados estão consagrando ao filme-documento, destinando-os aos museus onde se conservarão a serviço das gerações vindouras, permitindo-lhes ter a idéia da vida contemporânea, da época da invenção da cinematografia, em seus mínimos detalhes. Na França, guardam-se preciosamente não só os filmes da atualidade, mas ainda as reconstituições históricas, laboriosa e conscienciosamente feitas, consideradas boas pela Comissão de Belas-Artes. Esse aspecto da fotografia animada merece especial consideração de nossa parte. Nós possuímos ainda certas tradições, aspectos pitorescos da vida, principalmente do nosso interior, que vão desaparecendo aos poucos. As cavalhadas, os reisados, as congadas são tradições brasileiras que se esvaem, relegadas já para o alto sertão, pelo avanço vitorioso dos nossos hábitos que o progresso vai impondo. O automóvel, perlustrando estradas de rodagem na região nordestina, parece que matou o bumba-meu-boi. Tive ocasião de ver, em tempos não muitos remotos, um congado em Ouro Preto e cavalhadas na cidade de Viçosa. Creio mesmo que cavalhadas, não há muitos anos, corriam-se em São Gonçalo, às barbas desta capital. Ora, são justamente esses aspectos fugitivos de uma época que a cinematografia pode fixar para sempre, e para sempre os museus conservam. Em outros países, disso se cuida com carinhoso empenho. Nós ficamos indiferentes, mesmo à parte prática da cinematografia, aquela que diz respeito à propaganda que devemos entreter, para não sermos alvos das constantes apreciações injustas e malévolas com que nos mimoseiam os outros países, para os quais não passamos de terra semi-selvagem, apreciável apenas como sofrível entreposto comercial. Não fosse a exigüidade de verbas de que dispõe o nosso Museu Nacional, ele poderia começar a coleção de filmes documentários que conservassem a expressão da época presente. Seria muita pretensão de nossa parte chamar a atenção do Ministério da Agricultura, do qual depende aquela repartição, para esse assunto? Cinearte – 6 de fevereiro de 1929. |
|