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Cineastas de Hoje contribuem para o esquecimento do Cinema Brasileiro Outro dia, conversando com um cineasta amigo, fui obrigado a ouvir a seguinte pergunta: – Ora, Felipe, o que é que se faz numa cinemateca? O que é que acontece lá...vocês ficam o quê, desenrolando filmes...Não entendo o que é que você está fazendo lá... Como resposta fiquei em silêncio, olhei para ao lado e comentei: – Curioso, qual era mesmo aquele filme que agente estava revisando e recondicionando outro dia?... Ah, sim, era o "Filme Tal"... O cineasta se calou, ficou seríssimo...Gaguejou um pouco: – Meu filme...está lá? (...) Ah, é verdade e...como está o estado dele? Acho que ele lembrou um pouco o que se faz numa cinemateca... * * * A visão senso-comum que se tem de uma cinemateca se assemelha muito com a de um sarcófago egípcio. São câmaras e mais câmaras misteriosas, lotadas de tesouros inimagináveis a serem descobertos por algum aventureiro. Se essa visão mítica é por vezes um pequeno retrato da realidade, é preciso, urgentemente, que sejam revigoradas as perspectivas da preservação no país. Medidas diretas precisam ser tomadas para uma revitalização da importância das instituições de guarda de filmes. Revitalização que deve passar tanto pelo trabalho interno das cinematecas como pela ação direta dos cineastas na cobrança devida de uma rede efetiva e regionalizada para a preservação de filmes. Isso é, somente a partir de uma demanda dos próprios cineastas, será possível revitalizar a guarda de cinema no Brasil e fugir desse perigoso círculo vicioso em que nos encontramos: acervos em mau estado levam a cineastas pouco interessados em valorizar a guarda de filmes, que leva a um enfraquecimento da área e, assim, uma perpetuação do mau estado dos acervos... É preciso que os cineastas contemporâneos percebam que ao colocar seus filmes em instituições de guarda, estarão não só protegendo suas obras recentes como todo o patrimônio audiovisual brasileiro. Como? Se uma cinemateca tem a entrada constante de novos filmes, torna-se muito mais forte e representativa. E é somente através dessa representatividade que poderá conseguir o destaque necessário ao financiamento de sua manutenção e melhoria de suas condições. Assim, quando um cineasta "salva" seu filme, na verdade pode estar "salvando" muito mais... É muito importante que os cineastas de hoje se posicionem claramente sobre a importância das instituições de guarda na revitalização do cinema brasileiro. Quantos filmes lançados na última década não tiveram sua curta vida ainda mais curta devido a seu desaparecimento de qualquer forma de contato com o público? É necessário urgentemente que as cinematecas reanimem-se como espaços de agitação cinematográfica e sirvam não apenas para a guarda, mas para a pesquisa e difusão ininterrupta da cinematografia brasileira, antiga e recente. Dos quase 300 longa metragens produzidos no país na década de 90, apenas uma pequena parcela está guardada em instituições, e mais: são muitos os títulos que mal chegaram a ter contato com o público... Seja o público geral, seja o público específico de pesquisadores e estudantes de cinema, o fato é que grande parcela desses filmes desapareceram antes de aparecer! São filmes que não conseguem espaço no grande circuito, dão pequenos sinais de vida em festivais e depois desaparecem... Isso sem falar nos mais de 200 filmes de curta-metragem produzidos no país nos últimos cinco anos... Aonde quero chegar? O fato é que se a memória cinematográfica brasileira tem tido problemas com os filmes de 15, 30, 50 anos atrás...também não tem tido capacidade de uma nova formação a partir das produções mais recentes. É urgente se pensar em mecanismos que favoreçam o maior contato do público brasileiro com sua filmografia para além do circuito comercial de cinema. Uma das maneiras mais eficazes de se aproximar o público brasileiro de seu cinema é sua constante exibição em instituições que não dependam unicamente do espaço comercial. Deixar nas mãos de empresas e grupos particulares o papel de veicular o cinema brasileiro não pode menosprezar um outro importante trabalho de difusão: o da exibição da memória recente do cinema do país. As cinematecas e acervos públicos têm de ser tratados com a importância devida: espaços de divulgação ininterrupta do cinema brasileiro, tendo como alvo as novas gerações do público e as parcelas da população de menor poder aquisitivo (público por excelência do cinema nacional). Os 300 filmes produzidos no país na década de 90 não podem ficar totalmente alijados de seu público. Se estamos num processo constante de conquista de espaço para o cinema brasileiro, precisamos manter a memória do público em ebulição. Instituições como faculdades de cinema devem ter a possibilidade concreta de preservar seu acervo e difundir sua produção em uma sala de cinema voltada apenas para esse fim. É preciso criar espaços para o cinema brasileiro para que sua presença seja cada vez maior na memória-presente do público e cada vez mais representativa para os cineastas das novas gerações. Grande parte da síndrome do cinema brasileiro em se ver sempre num inesgotável renascimento vem dessa tradição de ignorar a si mesmo. Não se conhece o presente... Por isso as projeções do futuro sempre se pretendem como reinaugurações do cinema nacional. O Brasil não precisa de uma reinauguração de seu cinema, mas da profusão de seu próprio cinema inaugurado. O silêncio entre os preservadores e diretores de cinema precisa ser quebrado! O diálogo com o cinema precisa de um espaço para sua realização. Centros culturais têm se mostrado como referências importantes. Mas não suprem a constância de produção e demanda do cinema brasileiro e se limitam a pequenos movimentos cíclicos: pequenas mostras, seminários – o que não deixa de ser um importante papel. Cabe, porém, às cinematecas e demais acervos de filmes um outro papel mais específico: incentivar e criar espaços ininterruptos de fonte de imagens, informações e discussões sobre o cinema brasileiro, através de um acervo bem preservado, organizado e bem colocado ao dispor de seu público. Articulado com outras instituições de ensino (públicas e particulares) inclusive em mostras itinerantes e fóruns constantes para o visionamento das cinematografias brasileiras. Para isso é preciso que os primeiros movimentos também partam da classe cinematográfica brasileira. Filmes como Aviso aos Navegantes ou Alô, Alô Carnaval, ao serem restaurados não podem ficar tendo de disputar espaço com os grandes lançamentos internacionais! O Brasil precisa cuidar de seus templos de cinema e levantar suas trincheiras de forma inteligente. No atual estado de coisas, os cineastas das novas gerações e a crítica cinematográfica em geral (principalmente a que lida com o grande público...) tem de dar mais destaque a esses filmes restaurados e fortalecer a difusão desse imaginário audiovisual. Preservação de cinema não pode ser coisa de historiador, de pesquisador, ou arqueólogo... Preservação de Cinema tem de ser coisa de cineasta! Fazer os filmes e relegá-los ao ostracismo culpando o circuito comercial é muito pobre! Precisamos sim condenar o pouco espaço dado ao cinema comercial nos grandes circuitos mas também, na retaguarda, semear entre o público das novas gerações a possibilidade de se reconhecer no cinema produzido no país! É preciso que o próprio público brasileiro seja incentivado a querer o cinema brasileiro. Se nosso cinema age como um fantasma, como querer que ele seja visto? Incentivar as cinematecas e demais acervos do país como reais centros de agitação cinematográfica brasileira é muito mais importante do que tentar resolver nossas carências criando novas e inconstantes salas de cinema supostamente voltadas para o cinema brasileiro. Que os cineastas percebam que uma valorização da memória cinematográfica brasileira pode estar mais próxima de suas mãos do que imaginam: já está na hora de os cineastas acordarem e perceberem quem poderão ser seus reais parceiros na revitalização do cinema nacional. É preciso rever nossas estratégias de reconquista de público e criar uma retaguarda firme e inexpugnável na figura de nossas cinematecas, acervos públicos e órgãos difusores. É um absurdo o quanto que se gasta de dinheiro em um filme para deixá-lo morrendo num quartinho de empregada. Desmerecendo o trabalho dos preservadores e dificultando a articulação viva de nossa memória cinematográfica. Dar um fim a essa amnésia imediata é um passo essencial para o cinema brasileiro. E as instituições de guarda e preservação devem ser os parceiros por excelência desse processo . Essa disputa velha e ultrapassada entre preservadores e produtores tem de ser vencida de forma inteligente. Seus interesses, se não são idênticos, tem tudo para, dialeticamente, transformar-se no espaço por excelência do fortalecimento de uma tradição cinematográfica no país. Acordem, senhores cineastas, deixem de agir como cegos em tiroteio! Tirem os olhos de seus planos-umbigos-geniosos e enxerguem, a seu redor, o palácio gigantesco que pode desmoronar... ou ser construído. Felipe Bragança |
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