Os Novos Monstros, de Mario Monicelli, Dino Risi e Ettore Scola

I Nuovi Monstri, Itália, 1978

Os Novos Monstros é uma comédia em episódios, um filme incrível composto por nove curtas histórias que se sucedem, dirigidas por Risi, Monicelli e Scola - quase quinze anos mais jovem que os outros dois - e interpretadas por Vittorio Gassman, Ugo Tognazzi, Ornella Mutti e Alberto Sordi, entre outros. Pela notoriedade de seus realizadores e atores e pelo sucesso que alcançou na época e em relançamentos recentes, talvez não fosse, a princípio, o filme mais adequado para caber numa pauta de filmes a se 'redescobrir' - é um filme que foi reconhecido pela crítica, fez boa bilheteria e foi relançado já nos anos noventa. No entanto, há algumas características no filme que me interessam tanto que terminei por escolhê-lo para relembrar aqui nesse espaço.

De cara, há algo que me intriga e me faz admirar tanto esse filme, é a incrível unidade que ele consegue ter, mesmo sendo feito por três diretores e por nove episódios. Seria uma resposta muito fácil imaginar que isso é conseqüência da qualidade das histórias, que naturalmente traz força ao filme. Mas não, desconfio que não é apenas isso, há algo mais - diria mesmo que a tal ponto o filme encontra seu tom na reunião dos episódios que, se algum dos episódios fosse retirado ou mesmo que se mudasse a ordem destes, seria outro filme completamente diferente. Os Novos Monstros só pode ser imaginado começando com o episódio do cardeal interpretado por Gassman e terminando com o cômico interpretado por Sordi, passando pelo curto episódio Com I Saluci dei Amici, pela história de Auto-stop, em que Ornella é uma caronista que se mete numa fria, pelo episódio Senza Parole, em que a mesma é uma aeromoça que se envolve com um gringo misterioso e surpreendente, pelo episódio Comme una regina, em que Sordi é um filho que interna sua velha mãe no asilo - parte do filme impressionante, diga-se - e, se fosse preciso apontar o ponto máximo, eu talvez escolhesse Hosteria!, em que o maître Gassman e o cozinheiro Tognazzi guerreiam sem parar.

A fórmula de Os Novos Monstros tem antecedentes nos vários filmes em episódios feitos nas décadas de sessenta e setenta, principalmente na Itália - tais como Nós as mulheres, As Bruxas, Boccacio '70, Histórias Extraordinárias e outros, filmes em que diretores diversos uniam seus episódios num único longa-metragem que os reunia através de um tema em comum. Mas me parece que é notando suas características únicas que se torna possível entender o que ele tem de especial. Antes de mais nada, não é por acaso o 'novos' do título, uma vez que Dino Risi já havia feito Os Monstros alguns anos antes, igualmente um filme de episódios, mas dirigido somente por ele. Além disso, dois anos antes Monicelli e Scola haviam co-assinado um outro filme coletivo, Senhoras e senhores, boa noite.

É vendo Senhoras e senhores, boa noite que Os Novos Monstros se decifra um pouco. Porque, ao contrário dos outros filmes com vários diretores da época, Senhoras e senhores... não credita quem dirigiu o quê, ou seja, embola todos seus episódios de forma a não sabermos quem é o autor de cada história. Isso mantém-se em Os Novos Monstros, mas, ao contrário do filme que motiva esse texto, Senhoras e senhores também não define seus episódios, contando tudo como se fosse uma história em seqüência - para ser mais exato, como se fosse duas horas de programação de uma rede de televisão. Essa imensa confusão criativa é evitada pela definição episódica clara em Os Novos Monstros, que, mantendo a tradicional solução de terminar suas histórias e recomeçar outras, consegue dar um ritmo e vigor ao filme que faltam a Senhoras e senhores..., não apesar das interrupções narrativas e sim graças a elas.

Alcançado o intento de dar ritmo ao filme, continua a surpreender, no entanto, sua incrível unidade. Porque, na verdade, os três diretores se conciliam de tal forma que o filme supera qualquer aspecto 'autoral', valendo-se, sobretudo, do que apresenta ao seu espectador, e que se danem os realizadores. E porque o filme é uma comédia divertidíssima quando assim quer (Hosteria! ou o episódio final com Sordi, L'elogio funebre), é comédia dramática quando quer (Come una regina), é comédia surpreendente e sem pudor de ser política quando quer (Senza Parole, Auto-stop ou o primeiro episódio com Gassman, Tantun Ergo), em certos momentos crítica de sua sociedade de forma aguda (L'Uccelino della Val Padana, First Aid, novamente Tantun Ergo). E, querendo ser tudo isso, alcança o objetivo, encontra seu tom próprio e adequado e consegue ser um filme só, não uma coleção de histórias.

Acho que é isso: Os Novos Monstros, ao não assinar seus episódios, termina por evidenciar a imensa força de sua narrativa, de suas histórias, de seu tom e deus temas, não importando se seus episódios foram feitos por Scola, Monicelli ou Risi, fulano ou beltrano. O que se faz valer é o filme. (E vale muito, diga-se).

Daniel Caetano