Nada
a se odiar... Moulin Rouge

Diante da frenética
reação de parte da crítica cinematográfica
carioca, Moulin Rouge já seria decretado definitivamente
como o filme do ano! Aclamado por ser supostamente apaixonante e odioso,
o filme de Baz Luhrman tem ganhado destaque na imprensa dessas paragens
por sua suposta capacidade de dividir opiniões radicalmente entre
a adoração absoluta e a crítica raivosa... Porém,
para minha imensa surpresa, enquanto lia essas gritantes disparidades
reativas, cheguei a uma conclusão ainda mais divergente sobre o
filme em questão. Uma reação que é meu exato
motivo para escrever o que escrevo: Moulin Rouge não é
nem uma coisa nem outra!
É um filme
medíocre no sentido mais estrito da palavra. Mediano, meia-bomba,
sem-gracinha, ralo... Não há nada no filme que mereça
ser assim tão aclamado...ou tão odiado.
O destaque na mídia
e o blablablá em torno do musical-tresloucado parecem fazer parte
de mais uma sequência de seu próprio circo-colorido do qual
participam essa parcela dos críticos de cinema: o espetáculo
pelo espetáculo? É isso?...
Nesse mundinho de
cinema meio devagar em que a Hollywood de hoje vive, a presença
de um filme odiável-adorável parece ser um tesouro inimaginável
para a crítica cinematográfica. São inúmeros
os filmes taxados antes mesmo de ter tempo de ser absorvidos pelo público.
"Taxados" pois não se vê, não se lê,
uma discussão ponderada sobre os filmes, mas uma espécie
de bafafá chamativo em que a pauta central de uma revista pode-se
parecer muito mais um outdoor publicitário do que um espaço
de diálogo sobre o cinema.
No caso de Moulin
Rouge, essa postura da crítica fica ainda mais insustentável
quando, diante de sua projeção medíocre somos obrigados
a nos perguntar o que é que pode haver de tão odioso-apaixonante
num filme-video-clip tão lugar comum?
Um filme baseado em
choques visuais motores que nada tem a dever ou ganhar de uma cultura
videoclípica que a TV a cabo já se encarregou de banalizar
na última década... A questão é que os choques
visuais aclamados no filme pecam pela mesma falta de sentido que são
a marca da grande massa da produção de vinhetas de tv e
da publicidade. Isso é: a atração do choque visual
age como uma atração formal imagética crua, calcado
muito mais nos impulsos luminosos-motores do que na reviravolta das idéias
apresentadas.
Vê-se a forma
em seu caráter mais mecanicamente copiável e acomodativa,
da forma enquanto Aparência pura e simples que pouco nos remete
a uma postura diferenciada de processo criativo. Num filme como Moulin
Rouge, parece não haver processo, apenas a forma aparente final
em que, como o espetáculo cantado por seus personagens, parece
ser indiferente Quem, ou Quens, estão por trás daquele jogo
de luzes pseudo hipnóticas. "Pseudo" porque nem mesmo
nos lançam a uma percepção diferenciada, "pseudo"
porque nos invadem de formas e cores sem que nossas próprias formas
e cores sejam remexidas. O filme nos atravessa como um fantasma, sente-se
um frio na espinha, ajeita-se na cadeira e nada mais há a se fazer...
ou pensar. Estamos felizes o suficiente por reconhecer aquelas musiquinhas
todas! O mundo pop é um pouco disso: uma autoafirmação
do indivíduo diante da multidão ao se reconher nos ícones
culturais sem se preocupar com os sentidos a que os ícones remetem
– o sentido é o do próprio auto-reconhecimento!
Comparar Moulin
Rouge a Méliès é um absurdo e justamente funciona
por essa preocupação baseada unicamente na Aparência:
Quer dizer que ao se utilizar de diversas ferramentas de manipulação
da imagem e basear-se em imagens fantasiosas em sua narrativa tem-se um
Méliès puro?! Absurdo total! Um filme e uma obra como a
de Meliès não pode ser resumida a sua aparência física,
mas ser observado no todo de seus sentidos e seus efeitos no espectador.
Moulin Rouge, ao contrário de Méliès, não
é capaz de deslocar a narrativa dos parâmetros causais de
realidade, não é capaz de criar poesia na imagem através
do encantamento das ações... Nunca: Moulin Rouge
pode até utilizar artifícios aparentes de fantasia mas,
assim como um videoclip, faz da imagem um espaço de acrobacias
de efeitos que não tocam a superfície da música.
Não é
raro observarmos videoclips de visualidade originalíssima acompanhando
composições extremamentes óbvias, simplistas... É
assim que a imagem e a narrativa de Moulin Rouge se calam: uma
não se intromete na outra, parece mesmo haver uma superposição
de uma forma mudernete em uma narrativa linear e irritantemente
previsível.
Alguns dirão:
"Mas a questão de Moulin Rouge não é
a história, mas a forma!" Mas de que vale uma forma se não
se propor a um sentido? Se essa forma não tocar a narrativa e as
idéias do filme? Se não se preocupa em ser a expressão
de um processo de pensamento e criação de idéias
– seja lógica, seja emotiva? Se servir apenas para a acomodação
do espectador em códigos de identidade cultural homogeneizados?
Não há
sentido em Moulin Rouge que não o do espetáculo pelo
espetáculo pelo espetáculo... As músicas pop são
um compêndio de auto-referências da megacultura pop americana
e só funcionam como ferramenta de nossa identificação
com os personagens... Brincamos de reconher musiquinhas! A montagem dita
revolucionária é uma aceleração infundada
da velha estrutura clássica do campo-contracampo e do realismo
contínuo. A fantasia do filme não funciona como ferramenta
para nos descolar dos parâmetros estabelecidos de visualidade, mas
para distorcer aquela história rala até o ponto de se tornar
um show de fogos de artifício... E tal um show de fogos de artifício,
não se ama ou se odeia, apenas se observa, acha um pouco chato
e um pouco divertido depois a gente se levanta e sai... Não
há nada a ser levado dali: fogos artificiais são para ser
vistos e esquecidos. Enquanto público e imprensa esperam por um
novo e colorido espetacúlo... Só isso...Nada a se odiar.
* *
*
Dito assim e diante
de minha incapacidade de entender o que há nesse filminho que mereça
tantas reações adversas, lanço aqui 3 perguntinhas
primárias de ordem informativa:
1- O que leva uma
revista de programação cultural brasileira a acolocar um
"outdoor" elogiativo de um filme como Moulin Rouge em
sua capa?
2- O que leva a mesma
revista a dizer em seu quadro de bilheterias que o dito filme já
foi escolhido pelo público (150.000 no fim de semana) como filme
do ano, se o pobre teve apenas 1/4 do público de estréia
(600.000) de um filme como Planeta dos Macacos (odiado pela revista
em questão...)?
3- Uma revista que
se pretende agenda cultural pode ser um espaço de crítica
não simplificante ou isso é impossível devido a suas
obrigações empresariais e jornalísticas de mastigar
a realidade e de "bem informar" com rapidez sobre as supostas
qualidades de um filme?
Alguém se habilita
a responder?...
Felipe Bragança
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