As Aventuras Amorosas de um Padeiro, de Waldir Onofre

Aventuras Amorosas de um Padeiro, Brasil, 1975


Uma das propostas de Aventuras Amorosas de um Padeiro, de Waldir Onofre, era ser um filme popular sobre a classe média. Estratégia curiosa para o cinema brasileiro atual: nunca estivemos tão distantes de um cinema popular e ao mesmo tempo tão dependentes de um público de classe média.

Trata-se de uma comédia realizada por um ator, diretor e roteirista negro, o que, no conjunto da cinematografia brasileira, é um fato raro: Rita (Maria do Rosário) é uma jovem que oscila entre três homens: o marido, Mário (Ivan Setta), Seu Marques, o padeiro português (Paulo César Pereio) e Saul, um artista marginal negro (Haroldo de Oliveira). Um triângulo amoroso que é uma síntese étnica do Brasil.

Mário é a representação máxima do conservadorismo da classe média: acredita fielmente nas regras e nas convenções sociais e tem pavor de dar um passo em falso. A sua queda é proporcional ao tamanho de seu reacionarismo. Leva a vida a partir dos preconceitos e lugares-comuns proferidos por seu chefe ("laranja madura na beira da estrada ou tá podre ou tá estragada"). Quando vai a um boteco com um amigo cochicha-lhe: "O ambiente aqui é assim mesmo: só pensam em sacanagem. Estou até pensando em me mudar pra Ipanema..."

A figura do padeiro é a própria caricatura do explorador, ou melhor, do "conquistador" - nos dois sentidos. A interpretação de Paulo César Pereio reforça um sotaque português arrevesado, falso, cheio de cacofonias e expressões estrangeiras. Os amigos do padeiro são malandros, bêbados e desocupados e, a certa altura, o português reclama: "vocês brasileiros nem lutar capoeira sabem!"

Rita é a única personagem que tem o seu imaginário revelado, um imaginário aliás bastante caricatural. Ela sonha constantemente com os operários de uma construção e, em especial, com um deles, aliás, interpretado por Waldir Onofre. Em um dos sonhos, numa alusão à pornochanchada, este operário surge de capacete e roupão, na sala de uma casa elegante e, em vez de falar, grunhe. Em outro sonho, ela é perseguida pelos operários (Waldir está entre eles) e salva por uma espécie de mestre-de-obras que parece ter fugido de um filme co-dirigido por Buñuel e Mojica Marins.

Nas pornochanchadas é muito comum a representação do universo onírico feminino, forjado justamente para agradar as platéias masculinas. Mas em Aventuras..., esta concessão é mais uma forma de reiterar a figura de Rita como a personagem central. É sobre ela, afinal, que recaem as principais questões do filme, em especial temas na época polêmicos, como o aborto e o adultério.

Se o título é, portanto, uma pista falsa, não será a única em todo o filme. Não só o padeiro é um personagem secundário, mas também Mário e até mesmo Saul, que o filme sugere ser o "herói", já que seu tipo é carismático e ele torna-se o grande amante de Ritinha. Em Aventuras..., o negro e a mulher surgem como forças correspondentes, e não é à toa que o plano final é a imagem de Rita possuída pela Pomba-Gira. Neste particular, o filme de Onofre tenta uma síntese bastante cara ao cinema de Nelson Pereira (em especial O Amuleto de Ogum).

Não deixa de ser curioso, aliás, o fato de Nelson Pereira dos Santos ser o produtor de Aventuras Amorosas de Um Padeiro. Se O Amuleto de Ogum é uma espécie de contra-plano de Rio 40 Graus (no que diz respeito à relação do cineasta com a "realidade popular"), Aventuras Amorosas de Um Padeiro equivaleria a O Grande Momento na carreira de Nelson produtor. Afinal, o filme de Onofre integra-se perfeitamente ao ideário de Nelson à época, já que se trata de uma obra de intenção popular que renega a visão sociologizante, do intelectual que vê a realidade "de baixo para cima".

Em 1975, ano em que Aventuras Amorosas de um Padeiro foi realizado, o cinema brasileiro já não tinha como ordem do dia a ênfase alegorizante característica do final dos anos 60 e início dos 70. A investigação de caráter sociológica típica da primeira fase do cinema novo também já era passado remoto. Por outro lado, o sucesso popular das comédias eróticas e das pornochanchadas e a crescente influência da televisão estimulavam um tipo de cinema interessado em conquistar o público, nem sempre aliando a reflexão ao espetáculo.

Waldir Onofre buscou construir uma farsa alegórica sobre a dominação - cultural, econômica e social - e, neste sentido, o filme adquire hoje certo tom esquemático. O diferencial é que Aventuras Amorosas de Um Padeiro aborda as relações de poder, mas elas não se travam apenas no campo do dinheiro, ou do conflito racial. É certo que o padeiro português ostenta seu "poderio" através de seus bens (um carro último tipo, uma casa de campo, a posição de patrão). No entanto, entre ele e seu principal "opositor", o pintor Saul, há uma guerra no campo da produção de imagens. E, desta maneira, o filme é uma reflexão sobre o próprio cinema brasileiro.

As "aventuras amorosas" às quais o título alude consistem em Seu Marques deixar-se fotografar por um de seus cupinchas enquanto transa com alguma mulher que acaba de conquistar. A última delas é Rita, por quem ele sem querer acaba se apaixonando. Quando Rita conhece Saul, este também fica bastante atraído e quer pintá-la. Duas maneiras de "possuir" o corpo feminino em contraste: as fotos do comerciante português e a pintura do artista negro. Não é exagero verificar aí um comentário sobre as formas de representação da mulher então vigentes, em especial a pornochanchada em contraponto à visão, digamos assim, "artística". Tal oposição, aparentemente simplista, torna-se mais complexa quando Saul revela que ele é estéril e que, portanto, suas obras de arte, para ele, são incompletas. O filme abre aí dois campos de discussão: a frustração de Saul em relação à sua não-integração na sociedade (pois trata-se de um artista negro à margem da produção cultural estabelecida) e sua posição conservadora em relação ao aborto, desejado por Rita.

Também a religião recebe um tratamento bastante ambíguo. Começa sendo retratada em seu recanto mais convencional e hipócrita: a cerimônia de casamento de Rita e Mário. Beijos, abraços, recomendações, paletós e gravatas sob um sol implacável. Paira sobre o casal um clima rodrigueano. No rosto de Rita, todo o aborrecimento que aquelas formalidades causam, agravadas pelos olhares cobiçosos do padeiro e sua turma de botequim. Há, portanto, com a bênção da santa igreja, uma inevitável tragicomédia no ar.

Ao fim do filme, o outro lado da moeda: através de Saul, a religião negra surge como recurso final salvador. O santo baixa, os atabaques soam e todos os personagens (figurantes, inclusive) são tomados pelos orixás. Rita incorpora subitamente uma Pomba Gira e gargalha diante do transe geral. Recurso narrativo claramente fantasioso, absurdo, mas carregado de ironia.

A fotografia arejada de Hélio Silva deixa bem à vontade a movimentação dos atores no interior do quadro. A riqueza fotográfica de Aventuras Amorosas de Um Padeiro não está, evidentemente, na pirotecnia ou no embelezamento plástico, mas tão somente na capacidade de síntese conseguida em cada plano.

Um exemplo: ao longe, vemos Rita e duas amigas conversando enquanto andam por uma rua. Mais ao fundo do quadro, surge uma moça, apanhada ao acaso pela câmera, e ela nem percebe que está sendo filmada. Como anda mais rápido, ela ganha rapidamente o primeiro plano e sua imagem se torna a representação "documental" das três personagens; ela mesma poderia ser uma das três.

Outro exemplo: Mário, desesperado com a traição de Rita, enche a cara num boteco qualquer. É um fim-de-semana, já que seu chefe surge de bermuda, acompanhado da mulher e vários filhos, e interrompe a ida à praia para consolar um pouco o amigo. Em primeiro plano, acompanhamos o diálogo entre os dois, como sempre cheio de ditos populares e clichês, e ao fundo observamos a família do chefe de Mário: impaciente com a viagem interrompida, a mulher, mal-humorada, protesta; os filhos, inquietos com o calor e com a demora, sobem na capota do carro, chamam pelo pai. A profundidade de foco revela, aí, a fragilidade e o ridículo dos graves conselhos diante da realidade cotidiana.

Aventuras... é uma dessas obras que acompanham, em sua estrutura narrativa, o destino de seus personagens, desintegrando-se, espalhando-se, dispersando-se ao longo das cenas. Dialoga com a pornochanchada para discutir questões como o racismo, o imaginário conservador e preconceituoso não só da classe média como da classe baixa, a ambição social, as relações de poder e o feminismo. Ao mesmo tempo, recusa a sofisticação intelectual e reforça a intenção popular na construção das personagens. Às vezes parece buscar o naturalismo televisivo, mas subitamente algum truque narrativo desmonta tal convenção. Mescla documentário e ficção sem se preocupar em atribuir qualquer "verdade" ou "falsidade" a um ou a outro.

Lidando diretamente com clichês e armadilhas de gênero, Aventuras Amorosas de um Padeiro é um filme em constante fuga, que segue uma das lógicas do sincretismo religioso: misturar para escapulir.


Luís Alberto Rocha Melo