Sem
Lugar Para Ir,
de Oskar Roehler
Die unberühbare,
Alemanha, 1999
Em preto e branco,
uma imagem abstrata, um círculo, é o cartão de visitas
do filme. Perceberemos que é o primeiríssimo plano do fundo
de um vidro de barbitúricos. E é uma escritora, Hannah Flanders,
que está ao teelfone com um homem, provavelmente seu amante, e
pede para que os dois se matem juntos. Estamos em tempos politicamente
especiais: é a Alemanha, é a queda do muro de Berlim, e
Hannah é uma teórica e romancista que, mesmo morando em
Munique, é adepta do comunismo e dos escritos de Lenin. Com a queda
do muro, denunciando o último espasmo do regime comunista russo,
Hannah não entende mais a realidade do mundo em que vive. Sem
Lugar Para Ir será a observação (muito mais do
que o estudo) desse colapso existencial.
O filme se estrutura
a partir dos encontros que Hannah faz: ela dá uma entrevista na
qual confirma a infelicidade com a queda do muro, vai a uma loja da Christian
Dior, da qual é cliente assídua, ela decide mudar-se definitivamente
para Berlim, ela reencontra seu filho, dorme na casa de um grupo de jovens
maravilhados com o novo acontecimento político, encontra seus pais
para pedir-lhes algum dinheiro... Em cada seqüência do filme,
descobrimos um pouco das inúmeras contradições de
Hannah Flanders: ela se diz leninista, protesta contra o barbarismo da
sociedade de consumo, mas compra suas roupas em caríssimas lojas
da moda, mantém uma peruca muito pouco condizente com o "realismo
socialista"... Hannah é pura aparência: embora uma intelectual
famosa com uma carreira antes renomada, ela hoje não passa de um
fantasma, de alguém que tenta manter no perfil físico uma
realidade que já não existe mais.
Impossível
de não lembrar de O Desespero de Veronika Voss, de Fassbinder,
pelo tema da decadência, pela droga e pela fotografia em preto e
branco. Mas onde Fassbinder aceitava a dose de melodrama de sua personagem,
Oskar Roehler prefere fazer belos planos a penetrar no universo de sua
estrela. Ela é sem dúvida um grande personagem de cinema,
mas o próprio diretor não consegue percebê-lo totalmente.
Assim, um último encontro com o ex-marido, longo e redundante,
não faz senão minar algo do potencial do filme, que vai
progressivamente se deixando levar por um estetismo (funcional, belo de
qualquer forma) e esquece que o mais importante está diante da
tela e no final da projeção não parece suficientemente
explorado: aquele corpo estranho, anacrônico, desesperado, que pede
um cineasta um pouquinho sádico para filmar suas incertezas (Fassbinder)
ou outro com coragem suficiente para acompanhar o personagem em sua trip
(Cronenberg). Não sendo nem um nem outro, Roehler constrói
um filme que, mesmo bonito, não incorpora a decadência em
sua própria narrativa, sempre ávido demais para filmar no
melhor ângulo, na melhor luz, de um expressionismo belo mas acadêmico.
Falta ao filme nos fazer (e se fazer) entender melhor o conflito de sua
grande heroína.
Ruy Gardnier
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