Obra-prima,
de David Trueba


Obra maestra, Espanha, 2000

 

O cinema industrial, com todos os seus desdobramentos, preocupa muita gente no mundo todo. As imposições que esse tipo de produção faz, seu vínculo direto com o consumo, com o fetiche de todas as espécies, favorecem o surgimento de diferenças na sua periferia. Rejeitando ou não o sistema de mercado, mas sempre mantendo uma relação tensa com o grande cinema comercial, a periferia cinematográfica sempre abre caminho para o debate sobre o que é de fato o cinema. Mas no atual estado das coisas, o cinemão tem um peso de padrão. Obra-prima é esquisito por ser um desses filmes que não se definem. Conta a história de dois imbecis, que de tão fascinados por cinema acham nele a justificativa de suas existências, e resolvem seqüestrar uma estrela para atuar em uma produção de qualidade técnica e artística duvidosa. Claramente excluídos do sistema, os personagens são também devotos do tipo de cinema que os exclui. O filme que querem fazer é oposto ao grande cinema industrial, mas sonham em participar deste mundo e têm a ilusão de alcançá-lo utilizando-se de um de seus ícones, nesse caso a estrela raptada.

O problema do filme acaba se resumindo ao esvaziamento que provoca no debate sobre as formas de cinema. No fundo, Obra-prima não passa disso: um filme comercial, nada ousado, que quer fazer graça com um segmento que busca outros caminhos para produção cinematográfica.

O sonho dos produtores independentes nem sempre é um dia serem aceitos pelo grande cinema e Obra-prima não pensa nessa possibilidade. Estereotipando os personagens da maneira que faz, ridicularizando tudo em situações de humor fácil, acaba sendo um ferrenho defensor do cinema que seus heróis tanto idolatram e que os coloca à sua margem. É cinemão. E o pior, não assumido. As atuações, a graça-sem-graça, o visual apelativo de certas cenas mais "requintadas" não enganam ninguém. Pode chegar até a ofender quem leva a sério qualquer debate sobre cinema industrial e seus desdobramentos. E para quem achar que estou sendo duro demais com o filme, lembro que o argumento é igual ao de Cecil Bem Demente, que se não é a palavra definitiva na discussão sobre a indústria, pelo menos ousava de alguma maneira e podia mesmo se colocar do lado dos mais fracos. Obra-prima faz justamente o contrário.

João Mors Cabral