Redemoinho,
de Dennis Villeneuve


Maelström, Canadá, 2000

Começa o filme. Fotografia estourada, e altamente estilizada. Um peixe falante introduz a história enquanto é trucidado. Musiquinha "cool" embala cena dramática. Narração em off contextualiza e declama belas frases. Aparecem intertítulos com dizeres filosóficos sobre a trama. Não há dúvida: você está num filme moderninho, num cult de encomenda. Corra para as portas enquanto há tempo!!! Para os com alguma quilometragem em Mostras, o filme é canadense, supostamente densíssimo, quando na verdade com uma alfinetada explodiria seu balão de ensaio cheio de ar e pose. Ou seja: é um filme de Jeremy Podeswa, autor dos inesquecíveis Eclipse e, principalmente, Os Cinco Sentidos. Não, não é um filme de Podeswa, mas é quase. Marquem o nome do rapaz, Villeneuve, e fujam dele.

A não ser é claro que vocês gostem de Podeswa, e tem muita gente que gosta. É o cinema de grife, o cinema que vende a cada plano uma enorme sofisticação, que quer fazer o espectador se sentir mais inteligente por estar vendo um belo exemplar cinematográfico. Esqueça-se só de incluir aí qualquer interesse humano, qualquer emoção verdadeira, qualquer intenção urgente do realizador. Ele não quer contar uma história, quer é mostrar como sabe fazer um filme bonito. E o filme é bonito, bonito como qualquer comercial na TV. Aliás, tem vários ao longo do filme: de carro, de aspirador de pó, de roupas, de celular. O cinema destes rapazes é resumido assim: o ser humano é pouco mais do que um vaso. Sua função em cena é deixar o quadro o mais bonito possível, só isso. Compor um enquadramento, como um objeto de cenário.

O título em português inclusive podia se chamar Amores Peixes, por quê não? É só trocar a luz quente do México pela luz fria do Canadá, trocar uma temática social-miserável por uma de miséria-pessoal-burguesa, e trocar cachorrinhos por peixinhos. De resto a fórmula é a mesma: use os animaizinhos aleatoriamente para fazer várias histórias se cruzarem, faça com que a narrativa vá e venha no tempo e mostre eventos duas vezes sob dois ângulos, e acima de tudo ilumine, enquadre e mova a câmera de forma que cada plano seja um filme genial em si. Pronto. Os personagens, a honestidade, a história, o moralismo? Ah, ninguém vai perceber que não existem, de tão embevecidos com o talento e a genialidade do nosso "storyteller".

Este cinema é isso: importa menos o que está na frente da câmera do que o talento de quem está por trás. É um filme sobre o diretor, o fotógrafo, o diretor de arte, o trilheiro. Ah, mas até aí todo uma linha de cinema referencial como o de Tarantino e Lynch seria também dispensável, certo? Errado, porque o cinema destes e outros tem a coragem de se assumir como artificial, como do domínio puro e simples da imagem e do som, como ilusões. Aqui não, devemos estar embevecidos porque supostamente há algo de muito "humano", de importante acontecendo na tela. Não há. A dor de ser humano, de estar vivo não serve a estes filmes. Precisa ser a dor sublime, a dor com a luz certa nos cabelos penteados, a dor com a trilha exata. A dor que não deprime a platéia, e sim a maravilha com sua beleza. Como deve ser bom sofrer como estes personagens, viver sua vida. Eu também quero. Trata-se do cinema mais calhorda feito no mundo hoje, esteticamente falando. É um engodo, e um engodo que vende. Parabéns pra eles. Corta.

Eduardo Valente