Intimidade,
de Patrice Chéreau
Intimacy, Inglaterra/França,
2000
Os créditos
começam com "A Night In", uma das melhores canções
dos Tindersticks, grupo sensação do Festival, a se julgar
que eles realizam igualmente a trilha sonora de Trouble Every Day,
de Claire Denis. Mas as semelhanças entre os filmes param por aí.
Porque, malgrado terem aparentemente o mesmo tema sexo, doença
, parece não poder haver preocupações estéticas/temáticas
mais diferentes. Enquanto Denis mergulha seus personagens num campo de
indefinição, filmando o calor de suas peles, Chéreau
se interessa exatamente pelo lado oposto, pelo frio das relações,
pela falta de sentido mais do que pelo excesso dele. Não à
toa, o filme já nos apresenta os personagens através de
uma cena de sexo que de tórrida nada tem: trata-se de uma ejaculação
precoce, seguida de um terrível "I'm sorry" que dará
um pouco a condição existencial do filme inteiro.
Intimidade
conta alguns meses na vida de Jay e Claire, um casal que tem um estranho
relacionamento amoroso. Semanalmente, os dois têm duas horas de
sexo à tarde, sem que seja preciso falar nada um ao outro, ou que
um saiba qualquer coisa que seja da vida do parceiro. A única ligação
que os une é o sexo, inclusive protocolar às vezes. Incensado
pelo seu lado "sexo explícito", pelo despojamento dos
atores, Intimidade tem entretanto na exacerbação
sexual seus momentos mais fracos. Patrice Chéreau não parece
jamais interessado em filmar os dois corpos, o sexo, a relação
(ao contrário do filme de Claire Denis, que é uma questão
justamente de corpos), mas sim aquilo que sempre está ausente na
relação um passado, uma afeição mais
forte, enfim uma convencionalidade. Um relacionamento fora do comum torna-se
um chamado à normalidade.
Chéreau segue
na imagem os pressupostos do roteiro: há um esteticismo chic,
um pouco à maneira de Phillip Kaufman (A Insustentável
Leveza do Ser vem à mente mais de uma vez), um uso abusivo
de trilha sonora de músicas pop a escoha, entretanto, é
excelente que nem dão o clima dos acontecimentos (como em
Scorsese) nem acrescentam muita coisa ao que é narrado. Está
lá porque é bonito. Esse ideal estético "puro",
essa vontade de belo só pode atrapalhar o projeto de um filme que
tenta observar a confusão dos sentidos de duas pessoas cuja relação
vem desconcertar totalmente suas vida. Mas não caiamos em erro:
no meio de todas as imagens chic e meio fake do filme, há
em Patrice Chéreau um belo cineasta, conseguindo em alguns momentos
fazer belas seqüências, filmando os personagens sempre de perto,
sempre à beira de um abismo. Não é um filme à
flor da pele o moderado academismo das imagens impede de sê-lo
, mas um belo exercício em cima de atores e personalidades
inconstantes, que por vezes derrapa num tolo melodrama sexual de meia-idade.
A meio-caminho entre a sincera entrega aos personagens e a vontade de
realizar um filme correto demais, Intimidade é o máximo
de perversão que pode conseguir ser um filme com linguagem institucional
sobre o sexo. Ainda assim, é alguma coisa.
Ruy Gardnier
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