Destaques e Favoritos de Contracampo
Festival do Rio BR 2001



DANIEL CAETANO
1 - Memórias do Cárcere, do Nelson Pereira, O Homem Nu, do Roberto Santos e Apocalypse Now, do Coppola,
2 - Lucía e o sexo, do Julio Medem, Desejo Insaciável, da Claire Denis e os filmes de Edgar Navarro,
3 - Os Demônios Batem à Porta, de Jiang Wen,
4 - Concorrência Desleal, do Ettore Scola, Insônia, do Dario Argento, Hora da Partida, do Tsai Ming-liang, A Ilha, de Kim Ki-Duk, Millenium Mambo, do Hou Hsiao-hsien, Coruja, da Márcia Derraik e do Simplício Netto
5 - A se considerar que não vi, até o momento, os badalados Rohmer, Godard, Lynch, Egoyan,...

EDUARDO VALENTE
Todo recorte de "favoritos" num Festival de mais de 300 filmes será sempre parcial, incompleto, extremamente pessoal. Nem por isso menos válido. Porque por isso mesmo se chama "favoritos" e não "Os Melhores". Então, para que fique claro: eu vi 36 filmes no Festival, sendo que entre os que deixei de ver há vários que tenho certeza possuem grande chance de serem filmes que gostarei muito quando puder vê-los (Godard, Rohmer, Rivette, Hou Hsiao hsien, Olmi, Lynch de História Real, Gitai de Éden, Moretti, Chereau, Botelho, Miller, Demônios Batem à Porta). Porém, isso não desabona em nada minha lista, pelo simples fato de que todos os que eu escolhi foram filmes, cada um do seu modo, excepcionais. Nenhum deles é apenas "médio", que entrou só por falta de filmes melhores. A junção desta lista de filmes ótimos com os perdidos acima diz muito do nível dos filmes apresentados, não necessariamente na média deles (saí no meio e dormi em tantos outros), mas no número absoluto de ótimos filmes que no fim das contas é o que fica. Posso ter visto festivais com melhor média de produção, mas menos filmes excepcionais. E hoje em dia sei que a média se apaga na memória. O excepcional, não.
Ao invés de listar filmes em ordem de preferência, numa loteria meio ilógica, preferi unir os tais filmes excepcionais em conceitos, ou melhor em princípios, que ajudam a explicar o fascínio que estes em especial e o cinema em geral exercem sobre mim. São 8 + 5 filmes. Os 8 estão separados em quatro duplas de filmes completamente diferentes, que tornam-se um só no olhar de um espectador apaixonado.
1) POR UM CINEMA DE SONHOS (E PESADELOS): Mullholland Drive, de David Lynch; e Insônia, de Dario Argento.
A metáfora da estrutura da exibição do cinema com o ato de sonhar, de tão batida já perdeu até o sentido. Ou não, como descobre quem se aventura por estes filmes. Lynch volta ao seu melhor cinema onírico que leva o espectador por um descompromissado passeio pelos seus medos, suas taras, seus mitos. Argento brinca de assustar e assusta por brincar. Acima de tudo, filmes que não existem sem ser CINEMA.
2) POR UM CINEMA QUE NOS MOVA FISICAMENTE: Desejo Insaciável, de Claire Denis; e A Hora da Partida, de Tsai Ming liang.
Seja pela dilatação temporal e a não-ação extremadas de Tsai, seja pelo domínio completo do ritmo e da junção de sons e imagens de Denis, seus filmes são experiências que mexem com o próprio organismo do espectador. Criando uma percepção alongada e atemporal no primeiro, colocando em transe e misturando desejo e repulsa no segundo. Mas, nos dois casos, ao final da projeção já não somos os mesmos.
3) POR UM CINEMA DO HOJE: Promessas de um Novo Mundo, de B. Z. Goldberg, Carlos Bolado e Justine Shapiro; e Kippur, de Amos Gitai.
No segundo, a insanidade da guerra, seu reflexo mais desumano, sua irracionalidade. No primeiro, as explicações do inexplicável, a humanidade do desumano, a racionalidade do irracional. Ficção, não-ficção, como queira o menino Todd Solondz. Onde começa qual? E lá fora, o mundo dá sentido ao cinema, que dá sentido ao mundo.
4) PELO EXTRAORDINÁRIO NO BANAL: Sob a Areia, de François Ozon; e 'R Xmas, de Abel Ferrara.
Ozon continua sua pesquisa do que há de mais "anormal" por baixo das camadas do convívio social, amoroso, do desejo e da morte. Ferrara continua misturando o épico com o banal, filmando o cotidiano de forma excepcional.
5) POR UM CINEMA IMPERFEITO: A Ilha, de Kim Ki-Duk; A Vingança de Mathieu, de Xavier Beauvois; Hedwig - Rock, Amor e Traição, de John Cameron Mitchell; O Pornógrafo, de Bertrand Bonello; Lucia e o Sexo, de Julio Medem.
Enquanto os 8 filmes citados acima são exemplos de rigor, de obras coerentes realizadas por autores maduros e com domínio completo de forma e conteúdo, estes outros 5 tinham um ritmo desigual, cenas fracas, desandadas de roteiro, exageros formais. Mas, proporcionam momentos do mais belo cinema. São filhos errados, são caminhos com tropeços adoráveis, mas são acima de tudo filmes de muito tesão (na maioria deles, literalmente), onde errar de fato é humano. Seja o erro dos personagens ou do realizador. Adoráveis, necessários, belos. Cinema não se faz só de obras-primas.
Cinco categorias, mas no fundo só um desejo: de estar mais perto do humano. Nos seus sonhos, no seu corpo físico, no seu mundo, na excepcionalidade de sua rotina, na sua imperfeição.

FELIPE BRAGANÇA
O resultado do Festival não foi dos melhores. Nos 57 filmes que pude assistir, poucos foram os filmes que trouxeram questões diferenciadas (ou novas formas de vê-las) tanto para o Cinema quanto para as questões imediatas do mundinho lá fora da sala de projeção... Muito preocupado em ser auto-referente e cínico, boa parte do Cinema de crítica social e/ou midiática terminou por girar no mesmo lugar e cair por engolir o próprio rabo. Destaco aqui, porém, 5 filmes que, a meu ver, contribuíram de forma determinante para a continuidade de um pensamento de cinema (e através do cinema). Infelizmente, não tive oportunidade de acompanhar de perto os recentes lançamentos do Cinema Brasileiro, mas entre os meus favoritos, há um espaço extra para uma pequena e importante obra-prima de um certo cinema que o Brasil do "renascimento" parece insistir em esquecer e que, nesse Festival 2001, teve , ao menos, um pequeno espaço para continuar a respirar...
Três grandes filmes:
1- O Amor segundo Godard – Um Godard reinventado, claramente devedor de seu cinema anos 60, mas que substituiu a arrogância de pensamento por uma insinuante perplexidade: Um Godard perplexo. Diante de si e diante do mundo. Perplexo sobre as intenções de seu próprio cinema. Godard faz um filme sobre as incertezas e a necessidade de se continuar resistindo num mundo que caminha em um caminho só. Um cinema de impacto político e de pensamento essencial dentro de uma realidade contemporânea tão preocupada em ser imparcial, distanciada, indiferente...
2- Promessas de um Mundo Novo – Importante não apenas pelo seu objeto, mas pelo modo especial de integração conseguida entre diretor/entrevistador e personagens. Ao tratar do problema Israel/Palestina, o filme consegue fugir de uma simplificação relativista tão comum aos documentários humanistas sobre o tema. O modo como o filme se apresenta, deixa claras as dificuldades e complexidades da questão da disputa de territórios. As entrevistas dos meninos são espontâneas e sua sinceridade é importante para fugir das declarações politicamente corretas comuns aos filmes sobre o tema. Se elas sentem raiva, elas falam – se sentem tristeza, isso é dito. O filme não quer ser solução, mas uma visão diferenciada sobre uma questão que vem sendo tratada de forma tão fria pelos analistas políticos internacionais.
3- Hora da Partida – se inicia com umas das imagens de síntese/ausência mais exatas, perfeitas da história do cinema: num primeiro plano vemos o velho pai do protagonista fumando calado, vagando no pequeno apartamento. Corte seco. Vemos o jovem sentado num carro, olhos adiante, carregando uma pequena urna funerária... Nem mais uma palavra, nem mais uma indicação. A morte é essa ausência repentina e silenciosa. Tsai é, sem dúvida, dos maiores cineastas da atualidade!
Dois belos exemplares de Cinema:
4 – O Pântano – Rara crônica da classe média Argentina, o filme tem como principal mérito não tentar chegar a conclusões fechadas sobre aquilo que apresenta. Inúmeras são as críticas do roteiro (curiosamente premiado em Sundance) em construir personagens e relações que sabem muito bem entrelaçar questões micro (como as crises nos casamentos dos dois casais) com questões macro (como o preconceito étnico sofrido pelos personagens de origem indígena). A visão crítica no entanto não recai em estereotipias recalcadas como as de um Todd Solondz (Felicidade), mas em delicados retratos de um dia-a-dia que mescla momentos de alegria ingênua e tensão cruel.
5- A Ilha – Um cinema de intensidades capaz de deslocar o espectador de sua confortável poltrona de couro. As imagens de violência e calmaria do filme vão se intercalando de maneira a criar uma impressionante suspensão de sentidos. O espectador não sabe o que esperar das imagens , não sabe onde colocá-las. O que importam são os sentidos das imagens e seus efeitos no espectador, a plausibilidade e concretude das imagens dão lugar a uma bela coleção de surpreendentes imagens. ( ver crítica)
Destaque extra:
6- Superoutro - Navarro chega ao ápice de seu cinema sujo/transgressor. A mistura de tons, entre o sarcasmo social e a melancolia patética de seu super-herói, é impressionantemente capaz de criar tanto um espaço de entretenimento cinematográfico, como de crítica apurada da sociedade brasileira. A imagem do ânus defecando é de uma beleza absurda dentro dos sentidos fortíssimos de seu filme e personagem.

JOÃO CABRAL MORS
Meus 5:
Amor segundo Godard
No meio de tanta produção diferente, de toda parte do mundo, com tanta pouca coisa para dizer é simplesmente impossível não aplaudir um filme novo de alguém que tem já seu lugar garantido na história do cinema mundial.
A Inglesa e o Duque
Um dos filmes visualmente mais ousados dos últimos anos. Perfeita junção de técnica com função dramática. Mostra que o cinema digital pode ser algo mais que apenas alternativa de baixo custo.
Hora da Partida
Tsai Ming-liang continua sendo figura de ponta do cinema asiático. O que faz ele ser diferente dos seus colegas de olho puxado é a sua capacidade de falar dos assuntos mais importante para seres humanos sem gritar. Conflitos amorosos, familiares, sociais, tudo é muito bem mostrado por situações surpreendentes e personagens complexos e cativantes.
Mullholand Drive/História Real
Mesmo festival, mesmo diretor, filmes completamente diferentes. Ainda não entendi esse acontecimento na essência.
A Ilha
Para os que não gostam de termos acadêmicos, um filme insano. Pode render muitas associações simbólicas com farta distribuição ou descoberta de significados. É o que se espera ver em um festival.

MARINA MELIANDE
1- A Hora da Partida:
Tsai Ming-liang continua seu projeto de um Cinema do não excessivo, um cinema do contido, do preciso. Um maravilhoso filme sobre a paixão e sobre a perda (ou talvez a passagem). Seja de pessoas, seja do tempo. Um dos maiores cineastas da atualidade em sua melhor forma.
Millenium Mambo:
Hou Hsiao-hsien desenvolve magistralmente uma dimensão temporal própria para cada um de seus filmes. Em Millenium Mambo não será diferente: é o tempo Vicky, o tempo-personagem, talvez. A juventude da música techno como uma forma de se tocar a personagem. Tudo gira em torno dela, porém, nada a alcança, nada a capta de forma inteira. Principalmente o filme. Um cinema do incompleto.
2 -
O Pântano:
O filme de Lucrécia Martel surpreende pela quantidade de elementos que dialogam com o imaginário brasileiro. O filme argentino tem sua narrativa centrada em uma família de classe média que vai passar o carnaval em sua casa de férias. Um olhar centrado nas tensões cotidianas contidas, nos acontecimentos guardados; nas explosões que não acontecem. O casal em crise, a bebida como fuga, as crianças que brincam com armas, a empregada índia que é constantemente acusada de roubo. Os primos que se sentem atraídos, o menino no alto da escada. Todos sabem que existe uma linha tênue que não deve ser ultrapassada. O perigo à espreita.
3 - A Ilha:
Impressionantemente doloroso. Uma quase-fábula sobre a solidão. A constante inversão de papéis: o homem que é ora peixe, ora pescador; a mulher que é ora ilha que emerge, ora ilha que submerge... um lindíssimo filme sobre o amor.
4 -
O Amor segundo Godard:
Um Godard mais preciso e menos arrogante. Um diretor que se renova ao envelhecer. Uma das mais bonitas utilizações do digital já feitas. Seu eterno elogio ao amor.
5 -
O Homem Nu:
Roberto Santos faz uma ótima comédia sobre a classe média carioca, ainda hoje atual. Critica um moralismo exacerbado e a inflexibilidade de um dos povos ditos mais solidários do mundo. (Solidário nada, carioca gosta mesmo é de ver o circo pegar fogo, e de dar o troco.) Paulo José está ótimo no papel do escritor que terá sua vida transtornada a partir de uma distração cotidiana. Uma ação muito bem costurada. E ainda sobra ironia para transformar todo o sofrimento do personagem em jogada publicitária. É o famoso jeitinho... Não dá nem para comparar com a (péssima) versão, mais recente, de Hugo Carvana.
Programa Edgar Navarro:
Você sabia da existência de Edgar Navarro? O festival teve uma ótima iniciativa de resgatar uma cinematografia (curta) praticamente desconhecida hoje em dia. Um cineasta político com uma visão singular do Brasil. Uma das melhores utilizações do abjeto no cinema. O Rei do Cagaço e o SuperOutro precisam ser vistos!

RUY GARDNIER
Destaques:
1) A Inglesa e o Duque, Éric Rohmer – verdadeiro choque estético, desde já obra de antologia.
Hors-concours: Superoutro, de Edgard Navarro
2) Os Demônios Batem à Porta, Jiang Wen
3) vigor do mesmo, três filmes que não modificam a visão e o cinema de três dos mais sólidos e importantes autores contemporâneos, mas que nos entregam obras que entorpecem, estremecem e emocionam:
Mulholland Dr., David Lynch
Éloge de l’Amour, Jean-Luc Godard
Millenium Mambo, Hou Hsiao-hsien
ainda: ‘R Xmas, Trouble Every Day, O Pornógrafo (Bertrand Bonnello, grande revelação, com Jiang Wen), Hora da Partida, Relações Distantes
não vi: O Pântano, O Quarto do Filho, Dias de Nietzsche, Lavoura Arcaica, Promessas, História Real.