Bleeder,
de Nicolas Winding Refn
Bleeder, Dinamarca, 1999
A primeira sensação
ao assistir Bleeder é: até que enfim um filme da
Dinamarca produzido nos últimos anos que não seja realizado
pelos mandamentos do Dogma 95. OK, logo depois vemos uma estética
(não tão interessante assim) e uma temática (bem
elaborada, mas recaindo sempre nos clichês e na mistificação
da violência), mas nada tira a impressão que o maior mérito
que se tira do filme é a de contraponto não-dógmico
à produção dinamarquesa.
Segunda parte de uma
trilogia iniciada com Pusher, de 1996 (também presente no
Festival), Bleeder é o relato de cinco vidas (unidas pela
letra L no começo de seus nomes) rodeadas pelo tédio, pelo
amor e pela violência. Lenny trabalha numa locadora de filmes e
adora filmes de violência, aos quais assiste veementemente, quatro
ou cinco vezes diárias, de preferência em sessões
conjuntas com os amigos no home theater do dono da locadora. Ele
nutre uma paixão platônica por Lea, balconista de uma delicatessen
pouquíssimo freqüentada, o que torna seu trabalho um tédio.
Do outro lado, há Louise, que acaba de saber que está grávida,
e dá a notícia a Leo, seu marido, que recebe a novidade
com medo e apreensão, pois não acha que tem condições
(financeiras e psicológicas) de sustentar uma família. A
essas quatro pessoas, acresce o irmão de Louise, Louis, metido
com negócios sujos e amigos perigosos. Mas a tensão no filme
vem menos pela relação entre os personagens do que por uma
constante tela vermelha seguida de um heavy metal barulhento
que volta e meia insistem em nos lembrar que algo de muito assustador
vai acontecer.
O dispositivo de Bleeder
adjetivo dado a filmes que aparentemente têm como maior
interesse os assassinatos dos personagens é o suspense que
leva ao choque, o terror psicológico que conduz ao clímax.
Dessa forma, fala-se muito em violência, vê-se o tempo todo
filmes de terror e ação Lenny afirma para Lea que
seu filme favorito é O Massacre da Serra Elétrica
, que criam o clima para a apreensão maior, que só
explodirá ao final do filme. Construído assim, o tema de
Bleeder não poderia ser outro que a relação
entre as imagens e a violência, ou seja, sobre a relação
de influência que o cinema pode ter sobre os atos de violência.
Ao final, Lenny, aquele que mais aparenta problemas derivados dos filmes
que assiste só sabe conversar sobre sangue e cinema, tem
problemas de relacionamento com todos, não consegue se comunicar
com a mulher que ama , não tomará nenhuma atitude
precipitada, ver-se-á que ele apenas tenta escapar como
Lea, com seus livros , do universo tedioso de subúrbio em
que vive. Ao passo que Leo e Louis, aparentemente de vida mais centrada,
vão destruir suas prórias vidas e as de seus próximos.
De mensagem boba (a arte supera a violência) e uma estética
que contraditoriamente insiste em realizar uma sessão de tortura
psicológica no espectador, Bleeder é um filme de
tese que utiliza com o espectador o mesmo procedimento que condena. Dá
um filme curioso, às vezes interessante, mas que não resiste
a um olhar mais atento.
Ruy Gardnier
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