Beatrice e o Monstro,
de Hal Hartley


No Such Thing, EUA/Islândia, 2001

Ao final da sessão do filme, uma pergunta vem a cabeça: "Será Hal Hartley o Kevin Smith que conseguiu completar um curso universitário?" Ora, ora, tola pergunta. Tola porque Kevin Smith também completou a faculdade, embora por correspondência (ver Dogma), mas o fato é que seus filmes mais honestos são de fato bastante engraçados, como um Procura-se Amy ou O Balconista. Hal Hartley não é o Kevin Smith que completou a faculdade, mas sim o garoto de 14 anos que ao invés de ler suas histórias em quadrinhos foi ver Godard no cinema. Que pena, podia ter lido mais quadrinhos...

Se Hartley após o belo Confiança tem regularmente perpretado alguns dos filmes mais chatos do cinema mundial (exceção a Amateur em alguns momentos), grande parte disso se deve a Godard demais mal digerido. E é neste Beatrice e o Monstro que vemos o quão mal digerido. Porque o filme é uma assustadora canção de nota só, do que aliás a trilha sonora é um exemplo prático. Quantas vezes se pode repetir num filme só que a humanidade é tola e fútil, que o império da mídia é doentio, que no mundo moderno pessoas tornam-se celebridades pelos motivos menos nobres? Quantas vezes se pode ouvir isso tudo reiterado e dito a sério e ainda segurar a gargalhada? Uma vez que a gente já viu tudo, desde A Bela e a Fera (matriz assumida, lógico) até mesmo de E.T. e King Kong, a Um Hóspede do Barulho, será possível tocar neste nota ainda hoje, sem muita, mas muita auto-ironia? Claro que Hartley tem ironia sobrando nos seus diálogos "inteligentes", nos seus arroubos criativos (ah, este monstro rabugento mas engraçadinho, quem diria...), nas suas brincadeiras de linguagem. Só que a ironia é direcionada aos outros e nunca ao ridículo de seu próprio discurso.

Cada geração tem o Godard que merece. Mas se Hartley é o diluidor de Godard, fica no ar a sinistra pergunta: quem será o diluidor de Hartley??

Eduardo Valente