Antes da Tempestade,
de Reza Parsa


Fore Stormen, Suécia, 2000

A frase "de boas intenções o inferno está cheio" não é suficiente para descrever este filme, embora sirva como uma luva. Porque não há dúvida que o objetivo maior da direção é diagnosticar um certo mal-estar geral da sociedade moderna, criando um pequeno conto moral sobre opressão, medo e terrorismo. E, ao fazer este diagnóstico, sem dúvida sonha em "mudar o mundo". Mas, como historicamente todo discurso ligado ao senso comum do que é "Bom", este não foge à regra de alinhar uma série perigosíssima de clichês, relações de causa e consequência e manipulação emocional que resulta num filme quase "maligno" de tão insidioso. Que prova o que é cada vez mais evidente: se pode sim fazer o "Mal" tendo em mente nada mais do que o "Bem".

O filme ganhou uma atualidade assombrosa, é verdade, com os recentes eventos nos EUA. Mas nem por isso deixa de ter todos os defeitos mencionados acima. Pelo contrário, quando pensamos na intrincada rede midiática que cerca estes eventos, o filme chega a ser um sinistro "prelúdio" da enxurrada de idéias feitas e terrorismo emocional que atingiria o mundo a partir das redes de TV, jornais e afins. Como tem sido o caso em todas as instâncias desta cobertura, a realidade inclusive suplanta de tal forma que quase torna obsoleta a ficção.

O filme não começa mal, chega a ser intrigante ao propor uma associação entre a situação de um garoto que é constantemente maltratado por colegas maiores na escola, e um ex-terrorista perseguido pelo seu passado na forma de um "convite" de seu grupo para voltar à ativa. Embora possa parecer absurda numa leitura imediata, as chaves que relacionam opressão e medo de fato fazem sentido nestes casos. Só que já neste início começa-se a perceber as "sementes da derrota" do estilo do filme. Usando de uma trilha sonora abjeta na sua indução sentimental, e de uma filmagem eminentemente melodramática que tenta "iluminar" o espectador ao mesmo tempo que cegá-lo para sua racionalidade, o filme não aproveita o material que tem em mãos e logo cria uma série de caracterizações quase patéticas, em especial da "vovozinha má" que representa o grupo terrorista.

Mas daí o filme só desanda, cada vez mais patinando no terreno perigoso da conclusão que seguidamente tenta provar que 2+2=5, juntando causas em prol de uma consequência que trata como natural quando é tudo menos isso. Em troca de sua tese (que nem mesmo se explica), o filme abre mão de toda e qualquer credibilidade. Quer dar conta de uma "realidade" a qual almeja, sem abrir mão de seus joguinhos de roteiro, suas viradas e clímaxes. É especialmente deplorável o jogo final de montagem paralela que une uma tentativa de assassinato a uma cerimônia de crisma. Ou ainda o grande "clipe" final, uma orgia de preconceitos e lavagem cerebral que mistura retrospecto dos "melhores momentos" do filme (absolutamente dispensável) com uma série de consequências de forma quase amoral. Um filme que faz você sentir-se mal ao final por mostrar como a manipulação emocional que se disfarça de verdade absolutamente nítida e um desejo obsessivo de retratar o problemático "mundo moderno" podem resultar em um coquetel explosivo de gosto muito amargo.

Eduardo Valente